quinta-feira, 21 de maio de 2009

O problema da interpretação do direito: o posivismo e o realismo


3 Dos paradigmas jurídicos para a teoria do direito: o problema da interpretação do direito

Já se afirmou, até aqui, que a compreensão do direito em uma determinada época histórica dá ensejo ao surgimento de um modelo social que permeia, implicitamente, a compreensão de todo o direito, formando o paradigma jurídico.

Na sociedade contemporânea, surgiram alguns paradigmas (liberal, social e procedimental, respectivamente), que foram estudados em suas implicações com as restrições aos direitos fundamentais. Agora, é necessário reduzir o nível de abstração para compreender o sistema de direitos e os direitos fundamentais a partir do novo paradigma proposto.[1]

A abordagem agora empreendida parte de uma perspectiva paradigmática para um ponto de vista mais concreto da teoria do direito, que se movimente “nos limites de ordens jurídicas concretas. Extrai os seus dados do direito vigente, de leis e casos precedentes, de doutrinas dogmáticas, de contextos políticos da legislação, de fontes históricas do direito, etc.”[2] Ela trata do sistema jurídico em sentido estrito,[3] que:

“abrange todas as interações, também as que não se orientam pelo direito, podendo produzir direito novo e reproduzi-lo enquanto tal. Para a institucionalização do sistema jurídico neste sentido, necessita-se da auto-aplicação do direito através de regras secundárias que constituem e transmitem as competências da normatização, da aplicação e da imposição do direito. Os ‘poderes’ do Estado, da legislação, da justiça e da administração distinguem-se de acordo com essas funções.”[4]

A teoria do direito abrange a aplicação das leis e a execução da lei por todos os poderes do Estado, mas privilegia a perspectiva jurídica de aplicação do direito pelos juízes e tribunais,[5] que revela, no final, “a autocompreensão coletiva dos membros do direito.”[6]

A teoria do direito permite que sobre o mesmo conceito de direito proponham-se diferentes concepções,[7] que refletem diferentes modos de interpretar o direito.[8] Estas diferentes concepções, embora ancoradas no direito do Estado Democrático de Direito, manifestam diferentes modos de resolver a tensão entre a necessidade de segurança jurídica e a pretensão de correção das normas jurídicas.[9]

Na tradição romano-germânica, existem três concepções ainda muito influentes[10]: 1) o positivismo; 2) o realismo; 3) a hermenêutica.[11] Na tradição anglo-saxão, foi introduzida por DWORKIN uma nova vertente, a teoria da integridade, que pode ser adequadamente transporta para a realidade romano-germânica, inclusive para o Brasil na medida em que este modelo refere-se ao Estado Democrático de Direito.[12]

Mais uma vez, a compreensão das diferentes concepções interpretativas tem uma repercussão direta para a compreensão das restrições aos direitos fundamentais. O positivismo, o realismo, a hermenêutica e a teoria do direito como integridade apresentam respostas completamente diferentes para a solução de conflitos que envolvam restrições aos direitos fundamentais, como se verá ao se estudar cada uma das teorias.


3.1 O positivismo

Na exposição sobre os paradigmas do direito, viu-se que o conceito de direito subjetivo da dogmática civil alemã foi determinante para a compreensão do sistema de direitos.[13]

O conceito de direito subjetivo partiu de uma fundamentação idealista, com base na teoria moral kantiana, para ir progressivamente perdendo a fundamentação moral até se distanciar completamente e passar a ser “o direito subjetivo (Berechtigung) que se fundamenta numa autorização positiva conferida por uma autoridade”[14].

Esta guinada não se verificou apenas na compreensão do direito subjetivo, mas na compreensão de todo direito, que passou a ser influenciado fortemente pelo positivismo jurídico. No século XX, apesar da barbárie nazista, que ocasionou o renascimento de correntes jusnaturalistas,[15] o positivismo continuou a ter muita influência e foi reformulado, surgindo modelos neo-positivistas com um grau maior de sofisticação.

Na verdade, o novo positivismo foi mais longe. As duas principais formulações do positivismo conseguiram ter grande influência nos dois principais sistemas jurídicos: 1) o sistema romano-germânico; 2) e o sistema anglo-saxão do common law.

No sistema romano-germânico, a teoria pura do direito de HANS KELSEN alcançou enorme prestígio, que até hoje é sentida, inclusive no Brasil. No sistema do Common Law, a influência do positivismo de HERBERT HART também foi muito grande.

Mesmo hoje, no início do século XXI, o positivismo ainda possui grande prestígio. No Brasil, podemos afirmar, como o faz ZAGREBELSKY em relação à Itália, que “o conceito do direito como um conjunto de normas de comportamento exclusivamente pelo legislador (ambos, constitucional e ordinário) ainda é prevalecente entre acadêmicos do direito, juízes e advogados”,[16] embora cada dia ocupe menos espaço, especialmente na academia.

Para que se possa criticar consistentemente o positivismo jurídico, é necessário, preliminarmente, que se compreenda em que ele consiste.[17] Antes, uma ressalva: não existe apenas um positivismo jurídico.[18] Todos, porém, partem de uma idéia comum: a tentativa de conferir a certeza e a segurança das ciências naturais às ciências sociais.[19]

Esta certeza só poderia ser alcançada caso se eliminasse a influência de qualquer interferência ética ou moral do direito por parte do intérprete: um verdadeiro cientista do direito não poder ser guiado por suas convicções filosóficas, religiosas ou políticas.

A história do direito já havia demonstrado, contudo, que não era possível uma concepção tão pura do direito. O juiz bouche de la loi já havia tornado-se uma figura vazia, conforme se pode observar inclusive no direito civil.[20]

O novo positivismo estava ciente desta circunstância. Ao invés de abandonar as premissas em que se baseava, reformulou-se a teoria positivista de modo a justificar, com aparente consistência, o direito como ciência pura.

Tanto o positivismo anglo-saxônico de HART[21] quanto o positivismo romano-germânico de KELSEN lograram êxito em suas novas propostas. As diferenças entre as duas teorias são muitas. Ambos, porém, partem das mesmas premissas tão caras ao positivismo e encontram resposta semelhante.

A certeza da ciência do direito é alcançada, segundo KELSEN e HART, a partir de um sistema coerente, seja por uma lei das leis (KELSEN) ou por uma regra de reconhecimento comum (HART). Na teoria pura do Direito, a unidade e coerência da “ciência” do direito decorre de um sistema hierárquico de normas, em que a norma inferior possui validade a partir da norma superior.[22]

Assim, a norma individual (a sentença judicial ou o ato administrativo) aufere o seu sentido a partir de uma norma superior (uma lei, um decreto etc), que por sua vez também precisa estar em consonância com outra norma superior. No último grau na escala hierárquica encontra-se a Constituição. Todas as normas devem observância à Constituição, que é o fundamento de validade de todas as normas.

Um sistema, que possui a pretensão de ser totalmente coerente e cientifico, não pode deixar em aberto a questão remanescente: se a Constituição é o fundamento de validade de todas as leis, qual o fundamento de validade da Constituição?

KELSEN responde: a norma hipotética fundamental é o fundamento de validade da Constituição. Ela é um pressuposto lógico-formal do sistema jurídico, que cumpre a importante função de garantir coerência ao sistema.

O escalonamento das normas jurídicas garante certeza e coerência ao sistema jurídico. Para que seja “cientifico”, o ordenamento jurídico tem que ser também puro, sem influências políticas, sociais, filosóficas ou religiosas.

A nova formulação do positivismo, pelo menos no modelo kelseniano, não nega que toda norma reflita um problema social, uma visão política, uma concepção religiosa. Apenas afasta estas considerações do jurista, que não pode levá-las em consideração.

A pureza é garantida, então, através da observância de um método dedutivo, lógico-formal, em que a atividade do intérprete restringe-se a fazer uma subsunção da norma superior à norma inferior até chegar à norma individual.

Falta analisar, contudo, um elemento nesta teoria: o problema da discricionariedade judicial. De fato, este modelo não apresenta uma solução para o problema da existência de diversas possibilidades de interpretação da norma. Qual é a decisão correta? Qual decisão é a mais justa?

São questões que o positivismo não responde. E não responde deliberadamente por uma simples razão: não existe decisão mais justa e mais correta para o positivismo.

Toda decisão é igualmente justa. A aferição da justiça de uma sentença não é um problema para o cientista do direito, que interpreta normas, mas um problema para a filosofia moral, para a política. A função do juiz é decidir seguindo o sistema hierárquico do ordenamento com objetividade e exatidão. Decisão injusta seria aquele que não observasse este método e que viesse a basear-se em subjetivas interferências morais e políticas.

Diante da impossibilidade de se encontrar a justiça, o melhor é conferir poder a um juiz para decidir, de modo discricionário (pretensamente objetivo, exato e puro), o caso de acordo com o método positivista, desvinculado de valores e dos preconceitos do juiz. Conferir abertura moral para o direito, significa, para o positivismo, retirar-lhe a condição de ciência.

O positivismo é herdeiro da tradição cética e relativista da ciência (natural ou matemática) que, diante da impossibilidade de se provar (segundo o método das ciências naturais de verificação empírica e das ciências matemáticas de verificação lógica) a verdade ou a justiça, prefere conferir poder para o juiz para tomar qualquer decisão.

Daí decorre outro postulado fundamental do neo-positivismo: a atividade judicial é discricionária. A sentença é um ato de decisão em que o juiz possui poder para tomar a decisão que quiser desde que a aplicação fique na moldura da norma dentro da qual há várias possibilidades, sendo indiferente para o direito qualquer opção,[23] o que resulta na impossibilidade de garantia até mesmo de que a interpretação irá manter-se dentro da moldura.[24]

No reconhecimento da discricionariedade do intérprete reside a grande contradição do positivismo, pois a certeza que foi alcançada pelo método lógico dedutivo é negada pela discricionariedade judicial.

Ao modelo relativista, cético e cientificista do positivismo crítico (tanto no modelo anglo-saxão de HERBERT HART, quanto no modelo romano germânico de HANS KELSEN), que renuncia à correção da norma jurídica em favor da segurança, sem conseguir alcançar nem uma nem outra, apresentaram-se diversas teorias críticas baseadas em uma concepção realista, hermenêutica e principiológica do direito.



3.2 O realismo

Ao positivismo, que submete o direito a uma concepção estritamente formalista, centrada exclusivamente na interpretação formal de uma norma axiologicamente neutralizada sobre o ponto de vista da metodologia do direito, opõe-se o realismo, que parte de uma premissa oposta: a interpretação do direito deve submeter-se ao seu contexto social.

Com efeito, no século XX, surge em oposição as correntes formalistas que dominaram o século XIX o realismo jurídico (EUA), a escola do direito livre e a jurisprudência dos interesses (Europa). Estes movimentos, apesar de suas discordâncias, devidas inclusive a diversidade de sistemas jurídicos em que foram formuladas, consideravam que a atividade dos juizes não era substancialmente distinta da atividade do legislador, o próprio interprete deveria auto-limitar-se na sua atividade. [25]

Diante da impossibilidade de separar claramente a norma da realidade social na qual se insere, o realismo opta por renunciar à segurança do direito em favor da correção, que é garantida por uma interpretação cuja justiça decorre da legitimidade das interpretações judiciais fundadas em orientações axiológicas, que o interprete deve reconstruir. [26]

No realismo jurídico, confere-se ampla discricionariedade ao juiz para interpretar o direito livremente, sendo a interpretação tanto mais legítima quanto mais se aproximar de decisões voltadas para o futuro e que sejam consideradas racionais sobre o ponto de vista axiológico.[27] DWORKIN também identifica esta concepção no direito americano, qualificando-a como uma teoria semântica (ao lado do jusnaturalismo e do positivismo), resumindo-a:

“Os estudantes aprendem que o segundo rival do positivismo é a escola do realismo jurídico. As teorias realistas foram desenvolvidas no início deste século, sobretudo nas escolas de direito norte-americanas, embora o movimento tivesse ramificações em outros lugares. Se as tratarmos como teorias semânticas, elas afirmam que as regras lingüísticas seguidas pelos advogados tornam as proposições jurídicas adjuvantes e prenunciativas. A melhor versão sugere que o exato significado de uma proposição jurídica –as condições nas quais os advogados irão considerar verdadeira a proposição – depende do contexto. Se um advogado afirma a um cliente que o direito permite que os assassinos herdem, por exemplo, deve-se entender que ele está prevendo que é isso que os juízes vão decidir quando o caso for levado ao tribunal. Se um juiz faz tal afirmação ao emitir seu voto, está apresentando um outro tipo de hipótese prenunciativa sobre o mais provável curso a ser seguido pelo direito na esfera geral de sua decisão. Alguns realistas exprimiram essas idéias em uma linguagem profundamente cética. Afirmaram que o direito não existe, ou que resulta daquilo que o juiz tomou em seu café da manhã. Queriam dizer que não existe nada que se possa chamar direito, a não ser esses diferentes tipos de previsões. Contudo, mesmo assim compreendido, o realismo permanece extremamente implausível como teoria semântica.”[28]

Na tradição romano-germânica, HABERMAS situa nesta concepção o realismo legal, a Escola do direito livre, a jurisprudência dos interesses[29] e o utilitarismo jurídico[30]. O fracasso desta concepção é evidente, pois sacrifica a segurança jurídica em favor de decisões presumidamente melhores por serem voltadas para o futuro:

“A revocação não-dissimulada da garantia de segurança do direito significa que a jurisdição precisa renunciar, em última instância, à pretensão de estabilizar as expectativas de comportamento, que é a função do direito. Os realistas não conseguem explicar como é possível combinar a capacidade funcional do sistema jurídico com a consciência dos especialistas participantes, a qual é radicalmente cética em termos de direito.”[31]

O positivismo e o realismo situam-se em pólos opostos: 1) o positivismo é centrado na garantia de segurança jurídica por um sistema excessivamente formalista que sacrifica a pretensão de legitimidade do direito sem conseguir assegurar a segurança a que se propunha; 2) o realismo é centrado na garantia de correção da interpretação do direito por um juiz que dispõe de ampla margem de discricionariedade para aplicar o melhor direito em detrimento da segurança jurídica, sem assegurar, sequer, que a legitimidade seja preservada por permitir a existência a qualquer tempo de interpretações subjetivistas e arbitrárias.

Apesar destes gravíssimos defeitos, o realismo cumpriu a função histórica de resgatar a importância da busca pela melhor interpretação do direito, que havia sido negada pelo formalismo jurídico, representado especialmente pelo positivismo.
[1] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 241-242: “Um ‘modelo social do direito’(Wieacker) contém implicitamente uma teoria social do sistema jurídico; portanto, uma imagem que esse sistema constrói acerca de seu ambiente social. A partir daí, o paradigma do direito esclarece o modo como os direitos fundamentais e os princípios do Estado de direito devem ser entendidos e realizados no quando de tal modelo.”
[2] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 244.
[3] Aqui, deve-se distinguir entre sistema de direito em sentido mais estrito, referido no texto, e em sentido amplo. A direito, enquanto sistema de ação, podemos subordinar a totalidade das interações reguladas através de normas. Luhmann, por exemplo, define o direito, neste sentido mais amplo, como o sistema social parcial, especializado na estabilização de expectativas de comportamento.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 242.
[4] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 242.
[5] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 244: “Uma vez que todas as comunicações a nível do direito apontam para pretensões reclamáveis judicialmente, o processo judicial constitui o ponto de fuga para a análise do sistema jurídico.”
[6] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 245.
[7] Para compreender melhor a discussão ver: DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Carmago. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 112-120. Nesta obra, DWORKIN apresenta três concepções (1 - o convencionalismo; 2 - o pragmatismo; 3 - o direito como integridade) do mesmo conceito de direito, que é o seguinte: “De modo geral, nossa discussão sobre o direito assume – é o que sugiro – que o escopo mais abstrato e fundamental da aplicação do direito consiste em guiar e restringir o poder do governo da maneira da maneira apresentada a seguir. O direito insiste em que a força não deve ser usada ou refreada, não importa quão útil seria isso para os fins em vista, quaisquer que sejam as vantagens ou a nobreza de tais fins, a menos que permitida ou exigida pelos direitos e responsabilidades individuais que decorrem de decisões políticas anteriores, relativas aos momentos em que justifica o uso da força pública.” (DWORKIN, Ronaldo. O Império do Direito, p. 116).
[8] Para uma erudita síntese da interpretação no Estado Democrático de Direito ver capítulo da tese de livre docência de NEVES: NEVES, Marcelo. A interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, WIILIS Santiago Guerra (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 356-376.
[9] Sobre o significado de correção HABERMAS afirma: “A correção de juízos normativos não pode ser explicada no sentido de uma teoria da verdade como correspondência, pois direitos são uma construção social que não pode ser hipostasiada em fatos. ‘Correção’significa aceitabilidade racional, apoiada em argumentos.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 281).
[10] Aqui, adotou-se mais uma vez a proposta de HABERMAS, excluindo as propostas jusnaturalistas: “Quando se parte da idéia de que a opção do direito natural, que simplismente subordinava o direito vigente a padrões suprapositivos, não está mais aberta, oferecem-se três alternativas para o tratamento da questão central da teoria do direito, a saber: (a) a da hermenêutica jurídica; (b) a do realismo; (c) a do positivismo jurídico.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 247)
[11] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 247-252.
[12] O teoria do direito como integridade, também, é defendida por HABERMAS, com algumas alterações, como modelo para a teoria do direito no Estado Democrático de Direito. Ver: HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 261-275.
[13] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 116. Embora esta afirmação refira-se ao direito alemão, o mesmo pode ser dito do direito brasileiro, mesmo porque a dogmática do direito civil alemão inspirou a elaboração do direito civil brasileiro, que moldou, à semelhança da Alemanha, a compreensão do direito como um todo. Diversos civilistas brasileiros (BEVILÁQUA ETC) fundamentavam-se na dogmática civilista alemã, inclusive CLÓVIS BEVILÁQUA E MOREIRA ALVES.
[14] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 154.
[15] STAMMLER e DEL VECCHIO são dois autores que marcam o ressurgimento do jusnaturalismo. Para a compreensão do neo-jusnaturalismo deste autor ver: VECCHIO, Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de António José Brandão. 5. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 575-589. Título original: “Lezioni di Filosofia del Diritto”.
[16] ZAGREBELSKY, Gustavo. Ronald Dworkin’s principle based constitutionalism: An Italian point of view. In: International Constitutional Law, p.622.
[17] O movimento positivista filosófico-sociológico, do qual o positivismo jurídico é herdeiro, adveio da proposta de Augusto Comte, que, impressionado com o desenvolvimento da ciência, acreditava na superação das fases anteriores (teológica e metafísica) da humanidade pela ciência. Para a compreensão filosófica e sociológica do Positivismo ver: REALE, Giovanni; ANTISIERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias, p. 295-349.
[18] Segue-se, aqui, a crítica formulada por DWORKIN que parte de três formulações genéricas comuns ao positivismo para criticar especialmente os modelos propostos por AUSTIN e HART. Embora analise estes dois autores anglo-saxãos, DWORKIN deixa claro que suas críticas funcionam para todos os modelos positivistas: “Positivism has a fix central and organizing propositions as its skeleton” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 38.).
[19] A pretensão de KELSEN de pureza, exatidão e objetividade da ciência do direito é claramente apresentada no primeiro parágrafo do prefácio à primeira edição de sua principal obra: “Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica do seu objeto. Logo desde o começo foi meu intento elevar a jurisprudência, que – aberta ou veladamente – se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar, não as suas tendências endereçadas à formação do direito, mas as suas tendências dirigidas ao conhecimento do Direito, e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda ciência: objetividade e exatidão.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, prefácio, p. XI, grifei).
[20] No início do século XX, no Brasil, o legislador civil explicitou o que já era de conhecimento da doutrina e da jurisprudência: a lei por mais perfeita e acabada não apresenta solução para todos os conflitos. Neste sentido, a lei de introdução ao Código Civil, do início do século passado, demonstra a percepção clara e inequívoca da incompletude da lei ao permitir que o juiz decida em caso de omissão “de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” (art. 4º da LICC). A insuficiência da lei não decorre apenas da impossibilidade lógica e fática de se prever todas as situações. Mesmo que fosse possível um legislador que antevisse todas as situações, a interpretação não poderia se limitar a uma atividade em que o intérprete é apenas a boca da lei. Os critérios utilizados para preencher as lacunas (a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito) já demonstram a riqueza e a complexidade da interpretação, pois o juiz terá que decidir, “como se fosse o legislador para o caso” e com base em termos pouco precisos como princípios gerais do direito e costumes ou mesmo a analogia. Neste contexto, a atividade do juiz deixa de ser uma atitude supostamente ingênua e passiva e se converte, pelo menos no caso de omissão, em uma atividade “ativa”, pois a tentativa de utilizar a subsunção (em que a lei é a premissa maior, o fato é a premissa menor, e a decisão a conclusão) levaria, inevitavelmente, a um non liquet. O exemplo da omissão legislativa e do preenchimento das lacunas pelo legislador serviu para demonstrar que com o novo século surgiu a necessidade de uma nova postura dos juristas. A fragilidade do formalismo jurídico, nos seus diferentes matizes, poderia ser demonstrada com muitos outros exemplos, como os conceitos jurídicos indeterminados, a mudança da interpretação no tempo.
[21] As críticas ao positivismo de HERBERT HART acompanham aqui as idéias de DWORKIN: a) DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 38-65 e b) DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 42-54.
[22] KELSEN, com sua clareza peculiar, explicita o fundamento de validade das normas: “O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem esssencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à ordem jurídica cujas normas são criadas de conformidade com esta norma fundamental. Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 221).
[23] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 390: “O direito a aplicar forma (...) uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.”
[24] KELSEN explícita esta possibilidade e admite que a interpretação fora da moldura é perfeitamente coerente com a teoria da interpretação do direito exposta na Teoria Pura do Direito: “A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 394, grifei). A Teoria Pura do Direito somente passou a admitir a possibilidade de interpretação completamente fora da moldura como integrante da teoria da interpretação do direito a partir da edição de 1960 (OLIVEIRA, Marcelo de Andrade Cattoni de. Interpretação como ato de conhecimento e interpretação como ato de vontade: a tese kelseniana da interpretação autêntica. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (Coord.). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, 121-150).
[25] CRISTINA QUEIROZ resume a intenção do realismo aplicado ao direito constitucional: “De forma esquemática, a essência do método realista de interpretação constitucional consistia na afirmação de que o verdadeiro legislador não era o autor do texto, mas o seu interprete aplicador" QUEIROZ, Cristina. Interpretação Constitucional e Poder Judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional, p. 138.
[26] As preocupações, no realismo, voltam-se para o Judiciário e o desempenho de sua função, notadamente do interprete da constituição. “No limite, o problema da aplicação judicial da constituição não se apresenta unicamente como uma questão de direito substantivo, mas ainda de organização da administração da justiça e da escolha da pessoa chamada a exercer a função de juiz. O que se torna relevante é agora a ‘personalidade’ do juiz, a sua ‘ética profissional’. Num Estado de direito ‘bem governado’ deve-se autorizá-lo a utilizar ‘todos’ os argumentos necessários, ‘todas’ as técnicas interpretativas, que lhe permitam fundamentar corretamente as suas decisões.” QUEIROZ, Cristina. Interpretação Constitucional e Poder Judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional, p. 145.
[27] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 249.
[28] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 45.
[29] Para uma imagem positiva do papel histórico da jurisprudência dos interesses ver a posição de LARENZ, karl. Metodologia da ciência do direito, p. 63-77: “Pode hoje, pois, verificar-se que a Jurisprudência dos interesses, apesar do graves defeitos que tem na sua fundamentação teorética, atingiu plenamente os fins práticos, que era o que propriamente lhe importava.” (LARENZ, karl. Metodologia da ciência do direito, p. 77).
[30] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 249.
[31] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 250.