quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

No tempo da noite do mundo o poeta canta o sagrado


Imagine que um Deus te visitasse no meio da noite e anunciassem que tua morte se daria daqui a quatro ano: o que você faria? Imagine que este mesmo Deus te oferecessse mais quatro anos de vida de acordo com o teu empenho nos quatro anos anteriores: você mereceria a prorrogação?

Nietzsche formulou, de outro modo, questão semelhante e imaginou o que aconteceria se um demônio nos visitasse no meio da noite, na hora da mais profunda solidão, e anunciasse que cada instante da nossa vida repetiria-se-ia nos exatos termos por toda eternidade: você continuaria com a mesma vida?

O que você faria se fosse se submeter, de verdade, a estes testes psicológicos e filosóficos: correria para o primeiro bar para encher a cara? Liberaria todo censura e viveria como uma besta fera a comer, beber, comprar, usar, tudo que pudesse?

Pois é, é o que fazemos a cada instante. Vivemos um tempo estranho, estranho e cheio de paradoxos: sonhamos com uma vida longa mas não cansamos de reclamar das horas que passam lentas demais para, então, lamentar que o ano ou a vida foi rápida demais.

Comemos demais embora estejamos quase sempre sem fome; compramos demais tudo o que não precisamos; falamos demais embora tenhamos muito pouco a dizer. Usamos tudo embora as coisas não signifiquem grande coisa para a gente.

Suspeito que exista uma causa para esta paradoxo e para a insatisfação permanente do homem moderno: suspeito que estejamos procurando a vida no lugar errado. Martin Heidegger compartilha da mesma suspeita e diz que vivemos na era da tecnologia, em que a técnica, na sua capacidade de apropriação das coisas, substituiu o homem.

Procuramos nos objetos (na comida, nas compras, no palavriado inautêntico) substitutos para o vazio de nossa existência e o resultado parece inevitável: vamos continuar procurando, inutilmente.

Mas onde se encontra o significado, então? Heidegger não quer nos revelar diretamente mas Nietzsche, o autor do nosso segundo teste psicológico, não teme em anunciar: o que é grande no homem é que ele é um passar e um sucumbir!

O homem é uma corda atada, entre o animal e o além do homem. Uma corda sobre um abismo. Perigoso travessia, perigoso a caminho, perigoso olhar-para-trás, perigoso arrepiar-se e parar.
O que é grande no homem, é que ele é uma ponte e não um fim: o que pode ser amado no homem, é que é um passar e um sucumbir.

Assim falou Zaratustra, que quer nos anunciar que o homem é uma passagem (uma corda) entre o que era (o animal) e o que pode vir a ser (o além do homem). O homem é uma passagem (uma corda) sobre uma abismo (a vida), que a todo instante desafio o homem e só temos uma escolha verdadeira: sucumbir, entregar-se inteiramente à vida como homens que passam e sucumbem.

Mas como podemos nos assumir e sucumbir? Heidegger sabe a resposta: não podemos fugir da morte e agir com medo dela, procurando nas coisas substitutos para tudo que não somos. Precisamos, então, assumir definitivamente a angústia da vida produzida pela possibilidade sempre presente do nada da morte. Diante da emergência da morte só nos restaria procurar o significado mais profundo do Ser oculto em nós: comendo sempre com o gosto da última ceia.

É bastante sugestivo que nos EUA reserve-se para os presos condenados à morte o direito de escolher a última ceia: até os piores criminosos, condenados à eliminação, merecem experimentar o último instante de prazer sublime da vida embora, para muitos de nós, possa parecer que não adiante de mais nada pois a pessoa já vai morrer mesmo? E nós não vamos morrer também não, Cara Pálida? E o que adianta, então?

E para que servem as coisas? O homem não é o servo das coisas: das compras, das informações, da comida; as coisas é que devem servir ao homem. Mas para que serve o homem?

O homem não serve para nada: serve só para Ser ele mesmo, para dizer o sagrado da vida em um tempo sempre tão difícil que é o agora ou, como anuncia Hölderin, o poeta do eterno: No tempo da noite do mundo o poeta canta o sagrado.

Nos próximos quatro anos, pretendo tentar cantar o sagrado. Quem sabe não consigo merecer mais quatro anos... E você o que você pretende fazer com os teus quatro anos?


P. S.: Se você não entendeu este texto, visite a exposição Noite estrelada de Van Gogh, lá você vai ver o que estou querendo dizer: http://www.moma.org/exhibitions/exhibitions.php?id=5634

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