quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Para que serve a filosofia?


A filosofia é uma disciplina surpreendente. Tão surpreendente que a primeira dificuldade que se apresenta para quem começa a estudar filosofia é identificar do que ela trata. Quando se estuda qualquer ciência, todo mundo supõe conhecer o seu objeto: o biólogo estuda o reino animal e vegetal, o médico o funcionamento do corpo e da mente humana e até a matemática parece ter um objeto facilmente identificável.

Mas, afinal, do que trata a filosofia? E por que um estudante deve estudar filosofia se até o seu objeto é de difícil apreensão? Tudo que o estudante universitário quer é aprender a sua disciplina. De modo que os estudantes de disciplinas técnicas ou científicas querem apenas aprender o seu ofício: um estudante faz faculdade de medicina para ser médico, outro de contabilidade para ser contador. E o aluno do curso de direito quer apenas ser um operador do direito, um advogado, um Promotor, Juiz, Defensor ou Procurador.

Toda ciência tem um objeto e um método próprio. Os veterinários, por exemplo, podem pesquisar a cura de uma doença fazendo experiências em laboratório, seguindo o mesmo procedimento, para descobrir a cura para um mal que atinge algum tipo de animal. A filosofia, porém, não tem um objeto próprio claramente delimitado porque é ela quem vai tratar do significado da própria ciência e do que é o significado último de cada coisa: “O caráter problemático do objeto da filosofia não decorre apenas do fato de que efetivamente não se tenha reparado nele, mas do fato de que, diferentemente não se tenha reparado nele, mas do fato de que, diferentemente de qualquer outro objeto possível, entendendo aqui por objeto o termo real ou ideal sobre o qual versa não só uma ciência, mas qualquer outra atividade humana, ele é constitutivamente latente.”
[1]

E esta procura de sentidos latentes que nutre o pensamento filosófico é tão importante que foi ela quem deu origem à própria ciência que, no início da história, não se dissociava da filosofia. Os gregos eram matemáticos, biólogos, físicos e filósofos ao mesmo tempo.

Aristóteles, que era tão importante como cientista como o era enquanto filósofo, dizia que filosofia era espantar-se diante do simples. Filósofo é então aquele que fica surpreso diante do que é simples e tenta desencobrir os seus significados possíveis: “de onde viemos? para onde vamos? o que nó somos?”, o título do quadro de Paul Gauguin poderia servir, também, de inspiração para os primeiros filósofos, embora possa servir de lema para artistas e religiosos: “A religião, a arte e a filosofia dão ao hoomem uma convicção sobre o sentido da realidade como um todo; mas não sem diferenças essenciais. A religião é uma certeza recebida pelo homem, dada por Deus gratuitamente: revelada; o homem não alcança por si mesmos essa certeza, não a conquista nem é obra sua, muito pelo contrário. A arte significa também uma certa convicção que o homem tem e desde a qual interpreta a totalidade de sua vida mas essa crença, de origem certamente humana, não se justifica a si mesma, não pode dar razão de si, não tem evidência própria, e é, em suma, irresponsável. A filosofia, pelo contrário, é uma certeza radical universal que é ademais, autônoma, isto é, a filosofia se justifica a si mesma, mostra e prova constantemente sua verdade, nutre-se exclusivamente de evidências; o filósofo está sempre renovando as razões de sua certeza (Ortega).”
[2]

A filosofia surge, então, como uma tentativa de abandonar uma explicação puramente mitológica ou religiosa do mundo para buscar uma resposta no próprio homem através do exercício da razão: o homem passa a se surpreende diante do simples e acolhe este espanto enquanto morada e este acolhimento é quem constitui a filosofia, como defende Martin Heidegger.

Mas não são apenas os filósofos que se surpreendem diante do simples: todos nós, em algum momento, nos surpreendemos diante do simples. Qual o sentido da vida? O que é certo e o que é errado? Existe Justiça? O que é a Justiça?

Podemos deixar estas perguntas de lado mas, cedo ou tarde, elas vão retornar até mesmo nas situações mais triviais
[3]: devo colar em uma prova se não tiver chance de ser descoberto? Devo Corromper o guarda de trânsito para escapar da multa por dirigir embriagado? O Estado pode torturar um terrorista? É justa a imposição da pena de morte? É correto o comportamento de um médico que procede a um aborto de uma mulher e de um feto saudáveis?

Das questões mais simples às mais complexas surgem questões filosóficas que podem ser deixadas de lado ou enfrentadas: negar a existência destas dúvidas, contudo, não as elimina. O grande paradoxo é que até mesmo o aluno mais prático e menos inclinado para abstrações será atormentado por perguntas que só a filosofia preocupa-se em responder, pois somente ela ocupa-se em fornecer conceitos, idéias, sistemas teóricos, que tornam possível a formulação de uma resposta consistente para as perguntas primeiras da vida.

É claro que podemos deixar a filosofia de lado, mas, nem por isso, a filosofia vai nos abandonar: um juiz que não se indaga sobre o significado da Justiça também comete injustiças, um advogado que defende qualquer causa em qualquer situação, sem se preocupar na moralidade dos meios empregados, terá a sua reputação moral abalada.

No final, gostando ou não, seremos incomodados pela filosofia, como reconheceu, com ironia, Aristóteles: “se se deve filosofar, deve-se filosofar, e se não se deve filosofar, deve-se igualmente filosofar; em qualquer caso, portanto, deve-se filosofar; se, de fato, a filosofia existe, somos obrigados de qualquer modo a filosofar, dado, justamente, que ela existe; se, ao invés, não existe, também nesse caso somos obrigados a pesquisar como a filosofia não existe; mas, pesquisando, filosofamos, porque a pesquisa é a causa da filosofia” (Aristóteles, Protrético, fragmento 2)

Kant, em um texto pequeno e célebre, intitulado “O que é o iluminismo”, defende que cada um se sirva da própria inteligência para encontrar as respostas corretas: “O iluminismo é a saída do homem de um estado de menoridade que deve ser imputado a ele próprio. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio intelecto sem a guia de outro. Imputável a si próprios é esta menoridade se a causa dela não depende de um defeito da inteligência, mas da falta de decisão e da coragem de servir-se do próprio intelecto sem ser guiado por outro. Sapere aude!1 Tenha a coragem de servir-te da tua própria inteligência! – é, portanto, o lema do Iluminismo.” (
http://rgirola.sites.uol.com.br/Kant.htm, acesso em 28 de janeiro de 2009, às 20 h 40)

Em uma época em que as ciências, fragmentárias e parciais, pretendem apresentar respostas para quase todos os problemas humanos a procura pelas causas primeiras torna-se ainda mais urgente para permitir que a ciência seja um instrumento para a emancipação do homem e não para escravização de alguns homens por outros homens.

E para os alunos de filosofia resta pelo menos alertar para a grande ironia da filosofia constitui-se em um aparente paradoxo: mesmo que não façamos nada com a filosofia ela fará algo conosco.


[1] ZURBINI, X. Prólogo à primeira edição. In: MARIAS, Julián. História da Filosofia, p. XXIV.
[2] MARIAS, Julián. História da Filosofia, p. 4.
[3] Trivial vem de trivium, a formação básica do homem medieval.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Guantanamo e urso branco

Obama anunciou que vai fechar Gunatanamo, sinalizando o início de uma nova política americana no combate ao terrorismo: comprometida com as garantias processuais e a dignidade da pessoa humana.

No Governo Bush, nem mesmo as sucessivas decisões da conservadora Suprema Corte Americana, em sua atual composição, contra a política americana contra o terror foram suficientes para deter a prática autoritária do governo que permitia a tortura e a detenção ilegal de suspeitos de terrorismo sem conceder o direito de acesso a Tribunais independentes.

Os prisioneiros viviam em um limbo jurídico institucional armado pelo ex-Presidente George W. Bush: nem era considerados legamente pririoneiros de guerra, nem criminosos comuns, eram, simplismente, terroristas. A Suprema Corte deu o sinal amarelo para esta situação e Obama deu agora o cartão vermelho.

O gesto é simbólico mas também é muito significativo: as expectativas da campanha e dos discursos de Obama apontando para um Governo democrático encontram expressão neste ato em favor dos direitos humanos (de todos os humanos, inclusive dos terroristas) cuja coragem precisa ser enfatizada. Se houver algum novo ataque terrorista contra os EUA as acusações leniência contra o Democrata Obama serão severas. E Obama sabe disso mas preferiu ficar do lado certo.
Obama fez a aposta no caminho da Justiça (ainda que possa a vir a ter problemas por conta disso) e mostrou que possuí um compromisso mais do que retórico com os direitos humanos. O Brasil, contudo, continua enrascado com a comunidade internacional por conta do tratamento que confere aos presos, simbolizados pela penitenciária de Urso Branco.

Quem criticava Guantamo no Brasil tinha razão. Criticar Guantamo e esquercer da violação dos direitos humanos nas cadeias e penitenciárias brasileiras não é só um problema de miopia: é cegueira ou hipocrisia.

Os americanos estão fechando Guatanamo e desatando o nó humanitário atado por Bush. Rever as condições humanitárias nas cadeias brasileiras deve ser prioridade para o Estado brasileiro ou, então, teremos que continuar convivendo com a violência generalizada ou esperar a Corte Inter-americana de Direitos Humanos condenar o Brasil. Se não fizermos nada ou continuarmos fazendo pouco, nós bem mereceremos.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Black is powerful

Obama acaba de tomar posse na Casa Branca cercado de uma avalanche de problemas e uma tempestade de otimismo. Ele começo o governo com aprovação de 80 %, uma crise econômica histórica e uma grave perda de prestígio interno e internacional do Tio Sam.

O primeiro Presidente Negro dos EUA trouxe otimismo ao seu país em uma época difícil e já declarou que o mundo mudou e precisamos mudar com ele.

Não sei o que ele fará, embora acredite que, pelas promessas que fez e o elegeram, por mais vagas que possam ser, haja um compromisso sincero com o meio-ambiente, com os direitos humanos e com o multi-lateralismo.

Com esta expectativa, é provável que o mundo saia melhor deste governo, embora, não possamos esquecer: Obama é Presidente dos EUA, não dos países sub-desenvolvidos ou do Oriente Médio.

A eleição de um negro, ou mesmo de uma mulher, caso a Secretaria de Estado fosse a escolhida, por si não quer dizer uma evolução para o mundo: a política internacional contra o meio-ambiente e o multi-lateralismo, no estilo real politik, foi conduzida por uma mulher negra e um negro, Condolleza Rice e Collin Powell.

A eleição de um Presidente negro para um país cujas marcas da infâme escravidão até a geração passada mais do que injustas eram limitadoras das posssibilidades de sucesso, reconhecimento social e até respeito é, por si própria, já é uma grande conquista.

O movimento pela luta dos direitos civis da década de 60 e o sucesso, especialmente no esporte, permitiram que os negros passasem a ser respeitados, independentemente da raça. E o mundo passou a admirar os negros e o lema da moda passou a ser Black is beautiful. Esta mudança tornou possível novas oportunidades para os jovens e Obama cresceu e se desenvolveu neste mundo em transformação.

Obama pega um mundo que desmorona mas a sua eleição é um dos desdobramentos de uma luta histórica pelo reconhecimento de igualdade e sua posse representa uma vitória que aproxima o mundo do sonho de Martin Luther King que em 1963 dizia que tinha um sonho: "um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade."

O sonho de Martin Luter King começa a ser concretizado, pois Obama foi eleito Presidente dos EUA e chefiará brancos, negros, hispânicos, asiáticos e todos os demais.

É hora de começarmos a julgar os governos, inclusive o de Obama, pelas suas ações, independentemente de sua raça para que formemos um mundo em que homens e mulheres, jovens e idosos, brancos, negros ou índios, tenha igual oportunidade para ser quem quiserem ser de acordo com sua capacidade.

E a eleição de Obama é, definitivamente, um marco para o reconhecimento da igualdade entre os homens, pois, agora, enfim, Black is Powerful.

A tortura e o terrorismo: Obama e o valor dos direitos humanos


O Governo Obama nem começou e já precisa encontrar uma resposta de como lidar com um grande desafio teórico e prático: como tratar juridicamente e politicamente a tortura utilizada pelo Governo americano Federal contra os terroristas.

Não é segredo para ninguém que no Governo Bush, desde já cotado para ser o pior da história, a tortura foi autorizada e até incentivada com a permissão jurídica para que o afogamento simulado seja utilizado contra presos acusados ou suspeitos de terrorismo. O negócio é bem simples: coloca-se um capuz escuro no preso algemado enquanto um carrasco joga água em seu rosto: a sensação da pessoa é de iminência da morte por afogamento. A agência de inteligência (a CIA) e as forças armadas americanas acostumaram-se com este método cruel e não vai ser nada fácil convencê-los a abandonar um sistema que pode até ser eficiente.

O Governo Obama pode adotar uma postura frontalmente contrária à tortura e proibí-la incondicionalmente e esta é a esperança que se deposita em um Governo que não cansou de repetir: yes, we can. Sim, nós podemos contruir uma ordem jurídica mais justa. O problema é que o dia à dia da política impõe escolhas difíceis e muitas vezes é mais fácil abandonar determinados princípios em favor da conveniência do momento, principalmente quando a decisão com base no princípio não seja popular e defender terrorista não é algo tão simpático depois do terrível atentado de 11 de setembro. E o mais fácil é que o novo Governo adote uma postura hipócrita: proibe-se a tortura no discurso político e jurídico sem tomar qualquer medida prática relevante contra os agentes públicos torturadores. Infelizmente, a tolerância com os torturadores é uma prática frequente em países cuja tortura ainda é encarada como meio de investigação ou de punição de bandidos.

A admissão, na teoria ou na prática, da tortura pelo novo governo americano seria um retrocesso: a tortura fazia parte do cotidiano do sistema de investigação no direito pré-moderno. Na modernidade, o surgimento dos direitos humanos, amparados no princípio da dignidade da pessoa humana, fez com a tortura passasse a ser uma prática ilícita e, em última análise, criminosa, especialmente punida quanto praticada por um agente estatal.

O direito moderno tem como pressuposto o reconhecimento de que todos ser humano deve ser tratado com igual respeito e consideração e é este princípio jurídico que garante a integridade do direito (DWORKIN).


Todos somos sujeitos igualmente livres e dignos; por sermos iguais em dignidade, independentemente da origem e do que tenhamos feito, é que devemos ser tratados com igual respeito e consideração em todas as situações.


A compreensão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que veda a tortura incondicionalmente, exige que conheçamos melhor os seus pressupostos teóricos filosóficos derivados da filosofia de Kant, que defende que todo ser humano é um fim em si mesmo.
O homem pertence ao reino dos fins que decorre de sua liberdade. A vida humana não serve a outros fins, alheios ao próprio homem: um objeto pode ter vários fins, uma cadeira serva para sentar, um alimento produzido pelo homem serve para alimentá0lo, um computador também tem uma utilidade etc. A vida humana, porém, não serve a nenhum outro fim, pois o homem é um fim em si mesmo.

Por isto, o homem não pode ser tratado como uma coisa em nenhuma situação: não podemos ser coisificados, nem tratados como objetos, pois não somos um meio ou um objeto que se destina a outros fins. Reconhecer o homem como um fim em si mesmo é admitir que todo homem é igualmente digno, mesmo um bandido e um terrorista. Nesta caso, até a própria expressão bandido ou terrorista já se traí ao evitar a utilização do nome da pessoa ou mesmo a referência do outro como um homem, sim, como um bandido, um terrosita, um meliante etc., um igual, de modo a diminuir a sua dignidade: o problema é que a dignidade não tem preço, nem medida, ela é sempre incondicional. Nenhum homem é mais ou menos digno do que outro, pois todos somos igualmente dignos.

É evidente que os direitos humanos vão ser construídos em meio as tensões que emergem das culturas particulares mas que precisará ser mediada pelo imperativo categórico de Kant (que exige que devamos agir em cada ato de modo que aquele ato possa tornar-se em regra universal da conduta humana), tendo como pressuposto a dignidade da pessoa humana.

A vedação à tortura, portanto, deve ser reconhecida como um princípio jurídico universal de todo Estado Democrático de Direito, como ocorre no Brasil, por derivar do princípio jurídico da dignidade da pessoa humana, que é um princípio incondicional e absoluto. Negar que existam direitos absolutos é colocar em risco o significado fundante da dignidade da pessoa humana para o Estado Democrático de Direito e quem corre risco nesta situação não é só o terrorista mas o próprio Estado Democrático de Direito, solapado pela negação de seu pressuposto fundamental: o respeito aos direitos humanos.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Diversão e arte: a surpreendente lista dos livros mais vendidos do ano


Todo ano é divulgada a lista dos livros mais vendidos. Entender um pouco melhor o que o mundo anda lendo ajuda a compreender as nossas preferências e quem somos: não deixamos de ser aquilo do que gostamos. E, neste ano, na lista dos mais vendidos, não há supresa: os escritores admirados pela crítica literária e cultural mais uma vez estão praticamente fora.

O romance mais vendido do ano foi o drama "O Caçador de Pipas" de Khaled Hosseini , acompanhado dos "tradicionais" John Grisham, J.K. Rowling, Stepheni Meyer e o brasileiro Paulo Coelho.

Devo confessar minha ignorância: dos 20 autores mais vendidos só li Paulo Coelho e já tem uns vinte anos e apneas assiti à adaptação cinematográfica de "O Caçador de Pipas", o que me impede de fazer uma crítica de cada um dos best sellers atuais do mundo: fazer o tipo "não li, não gostei" pode ser pouco mais do que uma demonstração de arrogância, mas diante de tantos livros existentes muitos terão que ser excluídos da nossa lista pessoal

Mas posso, por outro lado, falar dos grandes escritores atuais do mundo que tenho lido e cujos livros não constam da lista nem mesmo após adaptações cinematográficos e/ou um prêmio nobel, como ocorreu com o português José Saramago ou com Ian McEwan.

Orhan Pamuk, nem com um nobel, entrou na lista. Philip Roth, Amós Oz, Coetzee e muitos outros, também, estão fora e seria realmente surpreendente que Milton Hatoum estivesse ocupando o lugar de Paulo Coelho na lista.

Entre os livros de ficção mais vendidos, porém, fica clara a opção dos leitores por livro que são mais entretenimento do que literatura, ainda que, de vez em quando, apareçam louváveis exceções, o que indica que muitas das pessoas que passam horas lendo um livro querem apenas diversão.

Daniel Filho, comentando o campeão de bilheteria "Se eu fosse você 2", disse que o que o público quer mesmo é diversão e que seria muito pretencioso querer produzir Arte. De fato, todos queremos nos divertir: o problema é a oposição que se faz entre diversão e arte, quantidade e qualidade.

Os melhores livros que já li não são apenas grandes histórias, com personagens densos, eles são, também, muito divertidos. Quem realmente leu "Memórias Póstumas de Bras Cubas" sabe que o livro não é 'apenas' uma grande obra, é divertidísssimo. Oscar Wilde é muito mais engraçado do que várias das comédias românticas, água com açucar, que sempre estão em cartaz no cinema. As tragédias de Shakespeare dão uma surra em qualquer dramalhão em moda.

Na antitese que se se sugere entre arte e diversão, o que está em jogo é o próprio significado da diversão. A lista dos mais vendidos mais uma vez mostra que entre os livros mais bem sucedidos predomina os que querem somente divertir, entreter, passar o tempo. Afinal, histórias densas com personagens complexos, ambiguos e contraditórios até, só podem ser muito chatas e na nossa hora de descanso o que é bom mesmo e se desligar dos problemas e passar um tempo com livros divertidos e facéis de ler.

De fato, qualquer obra de arte, por mais divertida que seja, trás consigo a semente da dúvida de modo a revelar significados ocultos da vida, relações inicialmente insuspeitas e apresenta novas possibilidades. Por isto, são sempre mais do que um passa tempo e refletir sobre o significado da própria vida através de um livro, um filme ou até um quadro pode ser algo realmetne difícil ou doloroso, mas aí a culpa não é do quadro é da vida e do modo que cada um a conduz.

É sempre mais fácil ler uma historinha ou um filminho água com açucar. Assim, o tempo vai passando e cotinuamos ilesos; e se demorarmos demais a descobrir o que nós somos e o que queremos será um mero detalhe. O que torna tudo realmente difícil é que a vida, cedo ou tarde, vai nos pregando várias peças e quando despertarmos pode ser tarde demais. Mas pensar sobre isso não é nada divertido: é melhor passar o tempo.

Cansado? Exausto de procurar um sentido para a vida? Que tal pular para o próximo best seller... Se você não estiver tempo para ler, um filme de ação ou uma comédia romântica qualquer produzem o mesmo efeito.

Só não vale reclamar mais tarde que a vida passa rápido demais: somos nós quem a deixamoss passar.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Britney Spears: o mistério do sucesso vazio


Leio que o nome mais procurado na internet no ano passado foi Britney Spears. Parece que hoje boa parte das pessoas admira, quer ser ou se interessa por Britney Spears. Afinal, o Google não mente...

O problema é que nem Britney Spears parece estar satisfeita com Britney Spears.

Não vou discutir aqui as peculiaridades da vida da mega-star pop, não me interessa, nem sequer as conheço, mas que a estrela tem uma vida para lá de conturbada é bem sabido até por quem preferiria nem saber mesmo.

O que me preocupa é o fato de o sonho de tanta gente seja ser Britney Spears! Afinal, o que é a cantora pop tem?
Ela é bonita, jovem muito rica e, mundialmente, famosa.

Hoje, beleza, juventude, riqueza e fama são os desejos supremos, os objetivos de vida, de tantas pessoas e quem consegue reunir os quatro ingredientes mágicos pode ter uma vida até pior do que a nossa, mas ainda assim parecerá muito melhor. Afinal, a imagem do infeliz não saí da Televisão.
Deprimido, sozinho, sentindo-se miserável, mas com glamour: é tudo que conta. Será?
Britney Spears talvez concordasse com esta frase: difícil é que Britney consiga convencer Britney.
A obsessão pela fama tornou-se simplesmente em uma obsessão da fama pela fama, nada mais: não importa se “o cara” tem talento, se gosta do que faz. Se tem IBOP é porque é bom.

O que se perde com a busca gratuita pelo sucesso (cujo melhor exemplo são os Big Brothers, espalhados pelo mundo), é o que realmente importa: fazer algo com intensidade e dedicação.
Na procura pelo sucesso, o que se esquece é que a vida é um longo caminho em que gostar da corrida é mais importante do que vencê-la, pois, afinal, o que é mesmo vencer na vida?

O que a fama oferece é a aparência de que a vitória deu sentido à vida: quem aparece na televisão é melhor e mais importante do que os anônimos sem audiência.
Ser excepcional em algo, quer dizer, ser autêntico, está tornando-se um mero detalhe e mesmo pessoas realmente talentosas têm uma enorme dificuldade de lidar com a fama. Amy Winehouse não me deixa mentir.

Uma das nossas grandes contradições hoje é que o radical aumento nas oportunidade de sermos quem quisermos ser tornou a escolha mais difícil.

Daí porque é mais fácil gastar o tempo entre uma notícia sem importância e outra, ou com uma nova fofoca: temos uma natural curiosidade pela vida alheia. Daí porque existe um interesse tão grande em saber quem está transando com quem e o que andam fazendo Carla Bruni e Amy Winehouse .

E saber que Britney Spears, mesmo sendo jovem, bonita, rica e famosa, é muito infeliz pode ser considerado por muita gente um grande consolo. O problema é precisar deste tipo de consolo.

sábado, 10 de janeiro de 2009

O segredo do vinho


É difícil encontrar um assunto que tenha sido mais vulgarizado do que o vinho e o que era uma simples bebida transformou-se no assunto da moda. As pessoas cultivadas têm necessariamente que gostar de vinhos e jantares com amigos ou simples conversas furtivas tornaram-se uma oportunidade para a pessoa provar que entende do assunto.

Já tem até vocabulário para o (pseudo) entendedor de vinhos: é o enochato. É, a coisa ficou séria mesmo. Tão séria que algumas pessoas aproveitam um bate papo informal para exibir o seu conhecimento sobre o tipo de uva, os métodos de produção e os vinhos que já beberam; outras fazem questão de propagar: eu detesto vinho e outras repetem sempre que podem que só gostam de vinho suave e docinho.

Eu adoro vinho e não pretendo mudar o gosto de ninguém; tomando um dos meus vinhos preferidos (um Porto Vintage, no caso um Taylor's 2003) compreendi um pouco melhor as razões que levam o vinho a ser objeto de tantas disputa, envolta de uma grande dose de afetação e paixão em igual medida.

O vinho, como todo produto que faz parte de um mercado de luxo, é um meio bastante propício para que as extravagâncias e frivolidades das pessoas ricas ou afetadas se manifeste: um produto que se consome em poucas horas e que pode custar muito caro é um veículo mais do que adequado para a ostentação. E ostentar parece ser a diversão preferida de várias pessoas cuja vida carece de sentido e é para elas que existe o mercado de luxo: vinhos jóias, carros, roupas que tornam o comprador diferente das demais pessoas, pois afinal elas têm um produto diferenciado. E mesmo quem não é rico quer parecer e insistem em comprar produtos falsificados que alimentam o crime organizado, mas este é outra assunto.

Ao mesmo tempo, um produto de luxo pode ser a manifestação autêntica de uma pessoa que tem um gosto apurado e consegue distinguir uma jóia de uma bijoteria ou que somente pelo aroma conseguem distinguir um vinho extraordinário, de um vinho vulgar ou de um suco de uva com teor alcoólico.

O problema é que quase todo mundo quer ser reconhecido como detentor de um gosto refinado e algumas vezes a linha divisória entre o gosto autêntico e a mera exibição é tênue. Uma pessoa muito pobre pode ter uma jóia, que pode ser tanto um objeto através do qual ela quer diferenciar-se e mostrar que a pobreza é uma mera cirunstância já que ela é uma pessoa, por natureza, nobre ou rica, ou pode ser também uma jóia de família que possuí um profundo valor sentimental por lembrar um parente morto ou um momento especial da vida.

Um grande vinho pode ser um produto especial para marcar grandes momentos cujo aroma e gosto possa ser associado naturalmente àquele dia, como a Madeleine (os bolinhos) de Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, que consumida na infância ao ser consumida na maturidade trouxe por acaso de volta todo aquele universo particular que mora no mundo da memória.

Felizmente, não controlamos os momentos em que aquele gosto, aquele cheiro, aquela sensação, vão retornar, mas podemos pelo menos beber um grande vinho e associá-los a momentos especiais e isto é o suficiente para que o culto ao vinho seja mantido desde que o gosto do apreciador seja verdadeiro. O resto é vaidade.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Breve História do Século XX


"Breve História do Século XX" do Professor da Unversidade de Melbourne, Geoffrey Blainey, é mais um livro que entra no pantanoso terreno da análise histórica recente. Blainey está consciente da dificuldade de fazer a história que vivida pelo historiador e não teme fazer as suas apostas: a experiência liberalizante de Tartuk (o ditador que se auto-intitulou o pai dos turcos) teve maior significado para o mundo por representar uma tentativa de democratização no mundo Islâmico do que a revolução russa. Hoje a afirmação ainda é controversa: no início dos anos 1990 seria absurda, antes de 11 de setembro de 2001 um manifesto exagero. É supreendente que até o passado seja moldado pelo presente, mas o presente também se constitui a partir do passado.

E tentar compreender a história do século XX é um monte que precisamos escalar para compreender a nossa própria época e Blainey, no seu bem escrito e didático livro, pode contrubuir para que relembremos algumas idéias.

É espantosso, por exemplo, lembrar que em 1900 a Inglaterra era o grande império do mundo e maior cidade do mundo era Londres com 6 milhões de habitantes, seguida de Paris, Berlim, Viena, São Petesburgo e Moscou; as cidades da Ásia, da África e da América Latina eram bem menores.

Em 1990, 90 % da população era rural, o império Otomano (que, em breve cairia) era o grande representante do Islã e as mulheres tinham direito marginais. A Europa detinha um poder econômico e tecnológico inconstestável. As duas grandes guerras colocaram a Europa em situação inferior ao EUA e, depois, à Rússia e, agora, a Ásia está tornando-se o continente das maiores riquezas.

Parte destas mudanças era imprevisível; outra parte esperada. Não é nada fácil saber o que o futuro nos reserva, mas nos podemos pelo menos compreender melhor as escolhas que foram feitas até agora para decidir que escolhas devemos manter. Por isto, os livros de história podem ser úteis e o de Blainey ainda é fácil de ler.

Crime e Castigo


O que você faria se fosse condenado à morte e na hora da execução da pena já com capuz na cabeça fosse anunciado que sua pena fora comutada em uma prisão por trabalhos forçados por 4 anos?

Fiódor Dostoiévski (Cia. das Letras, agora em tradução direta do russo para o português) escreveu "Crime e Castigo" (dentre outros livros), a história do assassino ocasional e extraodinário Raskólnikov, que divide os criminosos em ordinários (homens comuns que praticam crimes) e extraordinários (homens extraordinários cujo crime é apenas um meio de garantir uma vida melhor para a humanidade, como Napoleão Bonaparte).
Quando a humanidade é a causa em jogo, o crime não chega sequer a ser um crime. Raskólnikov considera-se um homem extraordinário e injustiçado ,que apesar de toda inteligência e dedicação fora obrigado a abandonar os estudos na Faculdade de Direito de São Petesburgo por falta de dinheiro.

Ao ser exploradora por uma velha usurária e solitária Raskólnikov encontra uma solução para o fim da sua agura e de sua família, mãe e filha, que necessitam desesperadamente do seu sucesso e se sacrificam em vão em seu favor: matar a velhaca e ficar com o seu dinheiro

Raskólnikov não é medroso (pelo contrário, é altivo e orgulhoso) e mata a velhinha perversa, como se sabe desde o início, mas nem fica com seu dinheiro.

Daí em diante (e já antes), Dostoiévsky enreda a história no universo íntimo de Raskólnikov e dos outros personagens (v.g. Dúnia, Sônia, Svidrigáilov); a história é encenada em um complexo labirinto psicológico em que os personagens se transformam em um "mero" pretexto para contar a história do que é o humano.

Não supreende, então, que o livro, escrito no século XIX, antecipe alguns dos terríveis dramas que acompanharam a Rússia no século XX: quando Ródia diz que não matou uma pessoa, mas um piolho, por ser um homem extraordinário, ecoa o discurso e a prática stalinista.

As tragédias reais fizeram o homem mais desumanos; os dramas de Dostoiévksi tornam a vida mais real e significativa. Poucas vezes a literatura desceu tão profundamente na alma humana: Dostoiévski desceu e até hoje está lá. Se duvidar, leia "Crime e Castigo".