sábado, 10 de janeiro de 2009

O segredo do vinho


É difícil encontrar um assunto que tenha sido mais vulgarizado do que o vinho e o que era uma simples bebida transformou-se no assunto da moda. As pessoas cultivadas têm necessariamente que gostar de vinhos e jantares com amigos ou simples conversas furtivas tornaram-se uma oportunidade para a pessoa provar que entende do assunto.

Já tem até vocabulário para o (pseudo) entendedor de vinhos: é o enochato. É, a coisa ficou séria mesmo. Tão séria que algumas pessoas aproveitam um bate papo informal para exibir o seu conhecimento sobre o tipo de uva, os métodos de produção e os vinhos que já beberam; outras fazem questão de propagar: eu detesto vinho e outras repetem sempre que podem que só gostam de vinho suave e docinho.

Eu adoro vinho e não pretendo mudar o gosto de ninguém; tomando um dos meus vinhos preferidos (um Porto Vintage, no caso um Taylor's 2003) compreendi um pouco melhor as razões que levam o vinho a ser objeto de tantas disputa, envolta de uma grande dose de afetação e paixão em igual medida.

O vinho, como todo produto que faz parte de um mercado de luxo, é um meio bastante propício para que as extravagâncias e frivolidades das pessoas ricas ou afetadas se manifeste: um produto que se consome em poucas horas e que pode custar muito caro é um veículo mais do que adequado para a ostentação. E ostentar parece ser a diversão preferida de várias pessoas cuja vida carece de sentido e é para elas que existe o mercado de luxo: vinhos jóias, carros, roupas que tornam o comprador diferente das demais pessoas, pois afinal elas têm um produto diferenciado. E mesmo quem não é rico quer parecer e insistem em comprar produtos falsificados que alimentam o crime organizado, mas este é outra assunto.

Ao mesmo tempo, um produto de luxo pode ser a manifestação autêntica de uma pessoa que tem um gosto apurado e consegue distinguir uma jóia de uma bijoteria ou que somente pelo aroma conseguem distinguir um vinho extraordinário, de um vinho vulgar ou de um suco de uva com teor alcoólico.

O problema é que quase todo mundo quer ser reconhecido como detentor de um gosto refinado e algumas vezes a linha divisória entre o gosto autêntico e a mera exibição é tênue. Uma pessoa muito pobre pode ter uma jóia, que pode ser tanto um objeto através do qual ela quer diferenciar-se e mostrar que a pobreza é uma mera cirunstância já que ela é uma pessoa, por natureza, nobre ou rica, ou pode ser também uma jóia de família que possuí um profundo valor sentimental por lembrar um parente morto ou um momento especial da vida.

Um grande vinho pode ser um produto especial para marcar grandes momentos cujo aroma e gosto possa ser associado naturalmente àquele dia, como a Madeleine (os bolinhos) de Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, que consumida na infância ao ser consumida na maturidade trouxe por acaso de volta todo aquele universo particular que mora no mundo da memória.

Felizmente, não controlamos os momentos em que aquele gosto, aquele cheiro, aquela sensação, vão retornar, mas podemos pelo menos beber um grande vinho e associá-los a momentos especiais e isto é o suficiente para que o culto ao vinho seja mantido desde que o gosto do apreciador seja verdadeiro. O resto é vaidade.

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