segunda-feira, 9 de junho de 2008

Angústia

Dürer, Melancolia

Há alguns anos (em 2006), no dia primeiro de janeiro, no Grand Palais em Paris, vi uma exposição de arte intitulada 'Mélancolie: génie et folie en Occident": nunca mais fui o mesmo.

O tema da exposição era a melancolia na arte: dos tempos antigos à arte contemporânea. Fiquei tão impressionado que comprei o livro da exposição que aguardo até hoje e descobri que a bílis negras, como a chamavam os gregos, sempre foi identificada com uma indisposição perante a vida, uma estranha e paralisante insatisfação, um inconformismo, latente ou manifesto.
E, na tradição ocidental, da Grécia à Paris ou à Berlin, os dois locais em que foi exibida a exposição, esta estranha desconhecida foi reconhecida em nossa morada. A melancolie ou, mais propriamente, a angústia, era, por vezes, associada à apatia, à depressão e, portanto, a sentimentos negativos e inadmissíveis em uma sociedade que se considerava moralmente superior e perfeitamente 'bem resolvida'; por outras vezes, é identificada com a imaginação, o gênio, e a origem de toda grande arte.
Entendi, desde então, com maior clareza, que a sensação permanente de deslocamento que sentia e sinto, por mais visceral e íntima, não é minha, pois a bílis negra é como um órgão que nos constitui: gostemos ou não ela faz parte da gente. E passei a aceitar, com maior contentamente, que mesmo muito feliz, cedo ou tarde, a angústia retorna por que nunca nos abandonou...
A angúsita não é, portanto, apenas aquele estranho sentimento invasor que nos torna menos felizes, mas uma lembrança dos significados possíveis e necessários que precisamos construir para a vida. Fóssemos todos alegrinhos no Jardim de Éden não haveria arte e, afinal, pelo que valeria a pena viver... A melancolia nos pertence por que nos faz relembrar a nossa finitude e torna necessária a construção de sentidos transcendentes que o cotidiano nos impele a esquecer, pois, como diz Nietzsche, o que é grande no homem é que ele é um passar e um sucumbir!
Na filosofia, a angústia, desde Heidegger, é uma condição existencial para a existência da própria filosofia: fossemos todos sempre plenos (ou seja, sem angústia) não teríamos filosofia. Mas não estamos no paraíso e a filosofia procura fundamentos possíveis para a vida; a arte os revela, mostrando os sentidos latentes da vida, as faces ocultas que constituem, dão forma, à própria face.

A angústia nos recorda, então, de algo incômodo: estamos todos, em vida, condenados à morte e nos faz lembrar da ausência de um sentido maior para a própria vida, de um sentido profundo capaz de transcender a sucessão cotidiana de fatos irrelevantes, cuja soma, bem ou mal, parece constituir o todo da vida.
A religião cumpre, desde sempre, este papel, mas nem ela é capaz de nos dar plena conformação: bem ou mal a angústia continua ali onde não queríamos que estivesse e o máximo que podemos fazer é expurgá-la como uma intrusa indesejada, tratando, simbolicamente, o melancólico como um doente da alma, mas permanece uma grande contradição: a religião também é uma grande devedora da melancolia, basta lembrar Da Vinci ou, até mesmo, um teólogo-filósofo como Santo Agostinho e suas melancólicas Confissões.
Então, não nos resta escolha, pois a única fuga possível da angústia não é uma fuga mas um encontro mais pleno com ela através da arte e da filosofia.
E este encontro que fazemos com a arte e com a filosofia é um encontro consigo mesmo: a arte um mero meio de expressão.
É, nunca mais fui o mesmo.

Um comentário:

Unknown disse...

Eneas, Amei o texto!! Muito bom mesmo... e como voce me conhece sabe q a Angustia faz parte da minha vida... mas cada vez mais estou aprendendo a lidar com ela!! Beijos Grande Ju