quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Delírio


"Delírio", último romance de Laura Restrepo, escritora colombiana com formação filosófica e atuação política, é um dos retratos íntimos não revelados da Colômbia e da América hoje.

Augustina, rica herdeira de família atormentada pelo cinismo e pela superficialidade das relações familiares e afetivas e pela hipocrisia da riqueza agrária tradicional que permanece 'íntegra' pela lavagem do dinheiro das drogas, é a personagem delirante do título.

Casada com um professor idealista e fracassado, atormentada pelo passado glorioso e triste, Augustina tenta manter o equilíbrio difícil entre a dura e inaceitável realidade e a loucura capaz de dar paz. Não conseguindo a tranqüilidade desejada, Augustina delira na lucidez e na loucura e procura estabelecer uma rede sincera de afetos, mas que os sentimentos contraditórios não permitem que seja duradoura: a esperança e alegria intensas são substituídas pela tristeza, apatia e depressão na loucura.

Paradoxalmente, no livro, a inverossimilhança dos acontecimentos reais e as fantasias devaneante dos sonhos revelam múltiplas faces da mesma realidade.

Na história, a complexa rede de relações afetivas e de fantasmas que habitam o espírito de Agustina vai revelando-se lentamente, desde o seu devaneante avó, passando pela sempre tensa relação doméstica de intensos ódios e amores de modo a ir justificando o surto da protagonista de “Delírio”.

Na Colômbia (e na América) do livro, tudo parece encaixar-se e nada se ajusta: o dinheiro ganho ilicitamente, o adultério e o incesto parecem pedir um fim trágico, mas, no desenrolar da história, tudo parece tão normal que é a mudança e a ruptura que são sentidas como inesperadas. Daí porque a repugnante conduta de Midas Macallister parece tão normal e passamos a ter simpatia por aquele que é o vilão da história, que tem anti-heróis demais e mocinhos de menos.

A própria escolha do sonoro nome Midas Macallister já é bastante reveladora, pois o que Midas sugere é justamente o contrário do que o nome anuncia: no romance tudo o que midas toca se transforma em sujeira e sordidez. O grande paradaxo é que Midas, o pior representante deste mundo sórdido, é quem é o produto deste meio. Mas afinal, alguém pode ser considerado um "produto do meio"?

Num ambiente de completa degeneração moral parecem restar poucas opções entre a adesão passiva, que rapidamente vira ativa, à corrupção e a insignificante honestidade: o 'herói' do livro opta pela sanidade e pela pobreza, mas é condenado a conviver com a loucura e com o delírio.

Este talvez seja o grande drama da América: para se manter íntegro é necessário, mais do que uma recusa permanente em se assimilar, o que já é muito, que se construa um universo paralelo, uma rede de relações afetivas próprias, fortes, construtivas e transformadoras.

E se nem assim for o suficiente, acompanhe Laura Restrepo e seus delírios. Na pior das hipóteses, será um grande prazer se você conseguir sair ileso desta leitura: eu não consegui

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