quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Hertha Müller ganha o Nobel


Hertha Müller, imigrante alemã, onde se exíliou da ditadura Romena, ganhou o Nobel de 2009. Os favoritos Amoz Oz, Philip Roth e Vargas Llosa não levaram. Foi justo?

Não sei, Müller tem apenas um livro traduzido e somente agora se tornará uma autora conhecida. Se o objetivo do Nobel for divulgar autores que merecem a atenção dos leitores, o mundo volta os olhos para Hertha Müller.

O problema é que um prêmio Nobel de literatura deveria representar uma qualidade estética superior, um elogio da vida, ainda que através da tristeza e do submundo. Ao recriar o mundo através de palavras e imagens o escritor recria o nosso mundo e o transforma, o que tem um significado muito mais profundo do que um engajamento político e ideológico.
Para saber um pouco mais sobre a autora leia a resenha do NY Times depois do prêmio: http://www.nytimes.com/2009/10/09/books/09nobel.html?_r=1&hp
Para um comentário sobre o único livro traduzido dela veja a resenha do New York Times:
Betrayal as a Way of Life, http://www.nytimes.com/2001/10/21/books/betrayal-as-a-way-of-life.html?scp=1&sq=%22Herta%20Mueller%22&st=cse

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nobel 2009


Amanhã será anunciado o prêmio nobel de literatura de 2009. O resultado tem sido imprevisível e até mesmo autores não cotados ganharam o prêmio nos últimos anos: neste ano Amos Oz está mais uma vez entre os favoritos e acredito que neste ano ele leva.

Se no critério estético, Amoz Oz tem qualidades para ganhar o prêmio pela consistência de sua obra literária, no critério político também. Afinal, o conflito entre Israel e o mundo Árabe ainda é um dos principais problemas da geo-política mundial e dar um prêmio a um autor que defende o entendimento é apontar para o lado certo.

Será que estou certo e Oz ganhará?

Amanhã, saberemos, enquanto isso podemos aproveitar para ler algum livro dele: recomendo começar por "De Amor e Trevas".


Até amanhã.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Identidade


Identidade é mais um grande livro do escritor Tcheco Milan Kundera, autor de "O Livro da Ignorância" e do conhecido, "A Insustentável Leveza", que virou filme. Na complexa história de amor entre Chantal e Mark, revela-se a verdadeira face do amor e da vida: qualquer coisa só faz sentido se for uma manifestação daquilo que nós somos.

Na luta, difícil e permanente, pela identidade, os personagens se perdem e se acham, mas não é justamente este, também, o jogo da vida?

Por que, com maior ou menor frequência, queremos e não queremos algo: achamos que aquilo é tudo que importa até que deixa de ser importante. Estas contradições, que às vezes emergem até nas pessoas mais obstinadas (com o gravame de, no último caso, desmontar a sua personalidade tão 'bem' defendida e acarretar uma crise imprevisível) existem por não sabermos quem somos.

Se não somos capazes de nos conhecer e nos reconhecer, revelando nossa identidade, nossa vida não será mais que um simulacro e o sucesso sonhado uma vez conquistado pode carecer de sentido ou, tão ruim quanto, pode deixar até de ser desejado, pois se não sabemos quem somos, nem estamos dispostos a procurar, nada mais faz sentido mesmo e qualquer resultado será ruim.

Entretanto, precisamos seguir, sonhar e realizar uma vida concreta, escolhendo a cada instante. E como escolher é difícil. Por isso, é sempre mais fácil escolher o primeiro desvio ou atalho: mais compras, mais comida, mais informação. Mais nada.

O grande paradoxo, que o livro e a vida revelam, é que podemos nos esforçar o quanto for para fugir de tudo que nos seja difícil ou doloroso, só não podemos fugir de nós mesmos. O problema é que de todas as tarefas que realizamos a busca pela identidade é a única que realmente importa, pois sem ela todas as outras não tem sentido.

Afinal, todos queremos ser felizes e a "felicidade é um passso rumo a si mesmo" (Saramago), mas para nos encontrar precisamos primeiro saber quem somos e é aí que tudo começa a ficar complicado ou complexo: que bom!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Filosofia do Direito


1 A filosofia do direito
Parte dos alunos que estuda filosofia do direito considera a disciplina “chata” e talvez preferisse que fosse abolida dos currículos das Faculdades de Direito. Os alunos e professores que se dedicam a estudá-la, porém, reconhecem a sua importância na formação do jurista e do cidadão: a filosofia nos ajuda a compreender o direito e seus fundamentos para que possamos construir uma sociedade melhor. Afinal, todo mundo espera, em maior ou menor medida, que o direito seja justo.
O presente livro pretende mostrar que a filosofia do direito não é apenas necessária, ela pode e deve ser útil e interessante, pois é a filosofia do direito quem vai se ocupar em encontrar respostas para questões como: O que é o direito? Como tornar o direito melhor? Como devemos interpretar o direito? O que é um crime? Por que todo homem deve ser tratado com igual respeito e consideração? O que é a pena? O que é o processo?
Estes são problemas que atingem a todo cidadão e que integram o trabalho dos operadores do direito; ao responder estas e outras perguntas a filosofia do direito pode fazer nosso trabalho e nosso cotidiano mais divertido e interessante, o que vale, pelo menos, uma tentativa. Não acha?

1.1 Para que serve a filosofia? “Tenha a coragem de servir-te da tua própria inteligência!”
A filosofia é uma disciplina surpreendente. Tão surpreendente que a primeira dificuldade que se apresenta para quem começa a estudar filosofia é identificar do que ela trata. Quando se estuda qualquer ciência, todo mundo supõe conhecer o seu objeto: o biólogo estuda o reino animal e vegetal, o médico o funcionamento do corpo e da mente humana e até a matemática parece ter um objeto facilmente identificável.
Mas, afinal, do que trata a filosofia? E por que um estudante deve estudar filosofia se até o seu objeto é de difícil apreensão? Tudo que o estudante universitário quer é aprender a sua disciplina. De modo que os estudantes de disciplinas técnicas ou científicas querem apenas aprender o seu ofício: um estudante faz faculdade de medicina para ser médico, outro de contabilidade para ser contador. E o aluno do curso de direito quer apenas ser um operador do direito, um advogado, um promotor, juiz, defensor ou procurador.
Toda ciência tem um objeto e um método próprio. Os veterinários, por exemplo, podem pesquisar a cura de uma doença fazendo experiências em laboratório, seguindo o mesmo procedimento, para descobrir a cura para um mal que atinge algum tipo de animal. A filosofia, porém, não tem um objeto próprio claramente delimitado porque é ela quem vai tratar do significado da própria ciência e do que é o significado último de cada coisa: “O caráter problemático do objeto da filosofia não decorre apenas do fato de que efetivamente não se tenha reparado nele, mas do fato de que, diferentemente de qualquer outro objeto possível, entendendo aqui por objeto o termo real ou ideal sobre o qual versa não só uma ciência, mas qualquer outra atividade humana, ele é constitutivamente latente.”[1]
E esta procura de sentidos latentes que nutre o pensamento filosófico é tão importante que foi ela quem deu origem à própria ciência que, no início da história, não se dissociava da filosofia. Os gregos eram matemáticos, biólogos, físicos e filósofos ao mesmo tempo.
Aristóteles, que era tão importante como cientista como o era enquanto filósofo, dizia que filosofia era espantar-se diante do simples. Filósofo é então aquele que fica surpreso diante do que é simples e tenta desencobrir os seus significados possíveis: “de onde viemos? para onde vamos? o que nós somos?”, o título do quadro de Paul Gauguin poderia servir, também, de inspiração para os primeiros filósofos, embora possa servir de lema para artistas e religiosos: “A religião, a arte e a filosofia dão ao homem uma convicção sobre o sentido da realidade como um todo; mas não sem diferenças essenciais. A religião é uma certeza recebida pelo homem, dada por Deus gratuitamente: revelada; o homem não alcança por si mesmo essa certeza, não a conquista nem é obra sua, muito pelo contrário. A arte significa também uma certa convicção que o homem tem e desde a qual interpreta a totalidade de sua vida mas essa crença, de origem certamente humana, não se justifica a si mesma, não pode dar razão de si, não tem evidência própria, e é, em suma, irresponsável. A filosofia, pelo contrário, é uma certeza radical universal que é ademais, autônoma, isto é, a filosofia se justifica a si mesma, mostra e prova constantemente sua verdade, nutre-se exclusivamente de evidências; o filósofo está sempre renovando as razões de sua certeza (Ortega).”[2]
A filosofia surge, então, como uma tentativa de abandonar uma explicação puramente mitológica ou religiosa do mundo para buscar uma resposta no próprio homem através do exercício da razão: o homem passa a se surpreender diante do simples e acolhe este espanto enquanto morada e este acolhimento é quem constitui a filosofia, como defende Martin Heidegger.
Mas não são apenas os filósofos que se surpreendem diante do simples: todos nós, em algum momento, nos surpreendemos diante do simples. Qual o sentido da vida? O que é certo e o que é errado? Existe Justiça? O que é a Justiça?
Podemos deixar estas perguntas de lado mas, cedo ou tarde, elas vão retornar até mesmo nas situações mais triviais[3]: Devo respeitar uma lei injusta? Devo corromper o guarda de trânsito para escapar da multa por dirigir embriagado? O Estado pode torturar um terrorista ou um bandido perigoso? Um juiz contrário à pena de morte pode deixar de aplicá-la em caso de guerra declarada no Brasil? É correto o comportamento de um médico que procede a um aborto de uma mulher e de um feto saudáveis?
Das questões mais simples às mais complexas surgem questões filosóficas que podem ser deixadas de lado ou enfrentadas: negar a existência destas dúvidas, contudo, não as elimina. O grande paradoxo é que até mesmo a pessoa mais prática e menos inclinada a abstrações será atormentada por perguntas que só a filosofia preocupa-se em responder, pois somente ela ocupa-se em fornecer conceitos, idéias, sistemas teóricos, que tornam possível a formulação de uma resposta consistente para as perguntas primeiras da vida.
É claro que podemos “deixar a filosofia de lado”, mas, nem por isso, a filosofia vai nos abandonar: um juiz que não se indaga sobre o significado da Justiça também comete injustiças, um advogado que defende qualquer causa em qualquer situação, sem se preocupar na moralidade dos meios empregados, poderá ter a sua reputação moral abalada e ajudará a tornar o local que vive pior.
No final, gostando ou não, seremos incomodados pela filosofia, pois, como reconheceu, com ironia, Aristóteles: “se se deve filosofar, deve-se filosofar, e se não se deve filosofar, deve-se igualmente filosofar; em qualquer caso, portanto, deve-se filosofar; se, de fato, a filosofia existe, somos obrigados de qualquer modo a filosofar, dado, justamente, que ela existe; se, ao invés, não existe, também nesse caso somos obrigados a pesquisar como a filosofia não existe; mas, pesquisando, filosofamos, porque a pesquisa é a causa da filosofia” (Aristóteles, Protrético, fragmento 2)
Kant, em um texto pequeno e célebre, intitulado “O que é o iluminismo”, defende que cada um se sirva da própria inteligência para encontrar as respostas corretas: “O iluminismo é a saída do homem de um estado de menoridade que deve ser imputado a ele próprio. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio intelecto sem a guia de outro. Imputável a si próprios é esta menoridade se a causa dela não depende de um defeito da inteligência, mas da falta de decisão e da coragem de servir-se do próprio intelecto sem ser guiado por outro. Sapere aude!1 Tenha a coragem de servir-te da tua própria inteligência! – é, portanto, o lema do Iluminismo.” (http://rgirola.sites.uol.com.br/Kant.htm, acesso em 28 de janeiro de 2009, às 20 h 40)
Em uma época em que as ciências, fragmentárias e parciais, pretendem apresentar respostas para quase todos os problemas humanos a procura pelas causas primeiras torna-se ainda mais urgente para permitir que a ciência seja um instrumento para a emancipação do homem e não para escravização de alguns homens por outros homens.
E para os alunos de filosofia resta pelo menos alertar para a grande ironia da filosofia constitui-se em um aparente paradoxo: mesmo que não façamos nada com a filosofia ela fará algo conosco.



1.2 Podemos não estudar a filosofia do direito? A filosofia invisível.
Algumas pessoas não querem estudar filosofia do direito por considerar a filosofia uma matéria inútil: afinal um juiz não precisa ser um filósofo para condenar o autor de um homicídio, nem um guarda de trânsito precisa saber filosofia para aplicar uma multa por excesso de velocidade. E por que um cidadão ou estudante precisaria, então, preocupar-se com o fundamento de suas ações? Basta conhecer a norma e saber o que é lícito ou ilícito. Certo?
Várias pessoas defendem, porém, que a filosofia estaria presente em qualquer decisão jurídica, acompanhando, implicitamente, a vida de cada cidadão em alguns casos e explicitamente em vários outros: e se o homicídio tiver sido realizado para acabar com a dor de um doente terminal portador de doença incurável? E se o excesso de velocidade for justificado para levar uma grávida prestes a dar à luz para o hospital?
É justo multar o marido que corre desesperadamente para o hospital para garantir a vida de seu filho e de sua esposa? Devemos condenar por homicídio o médico que ajudou uma pessoa a diminuir o tempo de vida de uma pessoa cuja vida tornou-se insuportável? Aqui, a filosofia pode fundamentar mais de uma resposta, mas não temos como responder a estas perguntas sem enfrentarmos o problema de saber por que devemos respeitar a lei, o que é certo, o que é justo, e estas são definitivamente questões filosóficas.
Em ambas as posições, contudo, tanto do que defendem a filosofia por sua importância como de seus detratores, admite-se, ao menos implicitamente, que é possível que sejamos iniciados na filosofia de modo a abandonar uma vida sem filosofia para outra em que ela passa a ser objeto da nossa preocupação como se estivéssemos saindo de fora da filosofia para o interior de seu âmbito, onde passamos a filosofar.
O primeiro grande segredo que a filosofia revela é que antes de iniciar o estudo da filosofia já nos ocupávamos dela ainda que sem o saber, pois a filosofia não é algo fora do homem; ela é inerente ao homem, que filosofa pelo simples fato de existir, como bem explica Heidegger: “A questão é que não estamos de forma alguma ‘fora’ da filosofia; e isso não porque, por exemplo, talvez tenhamos uma certa bagagem de conhecimentos sobre filosofia. Mesmo que não saibamos expressamente nada sobre filosofia, já estamos na filosofia porque a filosofia está em nós e nos pertence; e, em verdade, no sentido de que já sempre filosofamos. Filosofamos mesmo quando não sabemos nada sobre isso, mesmo que não ‘façamos filosofia’. Não filosofamos apenas vez por outra, mas de modo constante e necessário porquanto existimos como homens. Ser-aí como homem significa filosofar. O animal não pode filosofar; Deus não precisa filosofar. Um Deus que filosofasse não seria um Deus porque a essência da filosofia é ser uma possibilidade finita de um ente finito.” [4]
Com Descartes aprendemos que o homem sabe que existe porque pensa e pensa porque duvida na fórmula que ficou célebre: penso, logo existo; com Heidegger aprendemos que filosofamos porque existimos pois “ser homem já significa filosofar.”[5]
A questão deixa de ser, portanto, se queremos pensar na filosofia e passa a ser se vamos fazê-lo com consciência, tornado visível as questões filosóficas que acompanham o nosso pensamento.
A filosofia do direito pretende tornar visível o argumento invisível que acompanha as escolhas jurídicas dos cidadãos, legisladores, agentes públicos e juízes, como bem reconhece Dworkin “o voto de qualquer juiz é, em si, uma peça de filosofia do direito, mesmo quando a filosofia está oculta e o argumento visível é dominado por citações e listas de fatos.”[6]
Portanto, o direito e a filosofia do direito acompanham o cotidiano de todos os cidadãos de um Estado Democrático de Direito que se vêem obrigado a tomar decisões, que mesmo desconhecendo o seu fundamento, vão determinar que tipo de sociedade será construída: mais justa? Mais igualitária? Mais livre? Afinal, como reconhece Dworkin “Vivemos na lei e segundo o direito. Ele faz de nós o que somos: cidadãos, empregados, médicos, cônjuges e proprietários. É espada, escudo e ameaça: lutamos por nosso salário, recusamo-nos a pagar o aluguel, somos obrigados a pagar nossas multas ou mandados para a cadeia, tudo em nome do que foi estabelecido por nosso soberano e etéreo, o direito. E discutimos os seus decretos, mesmo quando os livros que supostamente registram suas instruções e determinações nada dizem agimos, então, como se a lei apenas houvesse sussurrado sua ordem muito baixinho para ser ouvida com nitidez. Somos súditos do império do direito, vassalos de seus métodos e ideais, subjugados em espírito enquanto discutimos o que devemos portanto fazer.”[7]
Já que não temos como fugir da filosofia talvez seja melhor um pouco mais de paciência, um pouco mais de calma e um pouco mais de alma, para nos dedicarmos a filosofar. Afinal, se a filosofia é inerente ao homem então filosofar é dar um passo rumo a si mesmo.

1.3. O que é a filosofia do direito hoje?
A filosofia geral lança questões profundas sobre o significado da fundação originária do conhecimento e da vida (metafísica), do conhecimento (lógica e onto-gnosiologia) e dos valores (axiologia);[8] a filosofia do direito é a parte da filosofia que reflete sobre a realidade jurídica.[9]
O direito determina as condutas licitas e ilícitas, estabelecendo o que é permitido, obrigatório e proibido que façamos; a filosofia do direito reflete sobre o significado do direito.[10]
A filosofia do direito, ao longo da história, transformou os problemas do fundamento do direito em seu objeto de estudo, o que justificou o surgimento de diversas teorias do direito natural, da justiça, da moral e para cada questão de que se ocupa a filosofia do direito surgiu um emaranhado de teorias para explicá-lo.
Deste modo, a filosofia do direito converteu-se em um terreno somente explorado por iniciados e eruditos, já que passou a pressupor o conhecimento de tantos e tão complexos sistemas teóricos que somente os filósofos do direito que seriam, também, especialistas em historia da filosofia do direito, poderiam compreendê-la e dialogar entre si. Afinal, o que poderia uma pessoa que não conhece as idéias de Kant, Hegel ou Aristóteles dizer?
Ao se distanciar do cotidiano dos cidadãos (e até dos juristas) e se converter em disciplina dos eruditos, a filosofia corre o risco de ser relegada ao segundo plano no momento em refletir sobre ela se tornou mais necessário.
Nas sociedades complexas do século XXI, o direito não encontra mais um fundamento previamente determinado a partir de uma compreensão teológica, cosmológico ou mesmo racionalista do direito e cada pessoa deve, por si própria, procurar compreender e fundamentar o próprio agir.
Precisamos nos servir da própria inteligência para decidir questões fundamentais, e sempre abertas em uma democracia plural, como os limites da nossa liberdade, o significado que vamos conferir a igualdade, o papel da moral e da religião em um estado laico e o papel do próprio direito.
Se o cidadão (e o jurista) não se ocuparem destes problemas, nem por isso eles deixaram de ser objeto da nossa preocupação já que terão graves consequências sobre nossas vidas,[11] conduzindo-nos para rumos não refletidos e não desejados, podendo ser até mesmo gravemente prejudiciais ao exercício pleno da nossa liberdade e contrários à dignidade, fundamento da existência do Estado, e da igualdade, idéias em defesa das quais derramamos tanto sangue ao longo da história.
O presente livro não negligencia a importância da história da filosofia do direito, disciplina indispensável para a formação do jurista, mas pretende discutir os problemas atuais da filosofia do direito para que o cidadão possa servir-se plenamente de sua inteligência de modo a permitir que a filosofia do direito seja um instrumento para repensar o direito como instrumento de emancipação do homem.
[1] ZURBINI, X. Prólogo à primeira edição. In: MARIAS, Julián. História da Filosofia, p. XXIV.
[2] MARIAS, Julián. História da Filosofia, p. 4.
[3] Trivial vem de trivium, a formação básica do homem medieval.

[4] HEIDEGGER, Martin. Introdução à Filosofia, p. 3-4.
[5] HEIDEGGER, Martin. Introdução à Filosofia, p. 4.
[6] DOWORKIN, Ronald. O Império do Direito. p. 113.
[7] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. XI.
[8] REALE, Miguel. Filosofia do Direito, p. 23-40.
[9] REALE, Miguel. Filosofia do Direito, p. 9.
[10] Segundo REALE a Filosofia “converte em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente ou imperativo. Quando o advogado invoca o texto apropriado da lei, fica relativamente seguro para o seu trabalho profissional; da mesma forma, quando um juiz prolata a sua sentença e a apóia cuidadosamente em textos legais, tem a certeza de estar cumprindo sua missão de ciência e de humanidade, porquanto assenta a sua convicção em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como obrigatórios em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como obrigatórios. O filósofo do direito, ao contrário, converte tais pontos de partida em problemas, perguntando: Por que o juiz deve apoiar-se na lei? Quais as razões lógicas e morais que levam o juiz a não se revoltar contra a lei, e a não criar solução sua para o caso que está apreciando, uma vez convencido da inutilidade, da inadequação ou da injustiça da lei vigente? Por que a lei obriga? Como obriga? Quais os limites lógicos da obrigatoriedade legal?” REALE, Miguel. Filosofia do Direito, p. 10.
[11] Como afirma RADBRUCH “As idéias não defendem nas nuvens, novamente e até a exaustão, a luta de interesses, como as Valquírias no campo de batalha; antes, como os deuses homéricos, descem ao campo de batalha, e elas mesmas imagens de força, lutam ombro a ombro com outras forças. Se, por um lado, a filosofia do direito é luta política de partidos transportada à esfera do espírito, por outro lado a luta política de partidos apresenta-nos, ao mesmo tempo, como uma grandiosa discussão da filosofia do direito. Todas as grandes transformações políticas foram preparadas ou acompanhadas pela filosofia do direito. No início, encontra-se a filosofia do direito, no final a revolução.” RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito, p. 17.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

A teoria dos princípios de Dworkin

A teoria dos princípios de Dworkin: o direito como integridade

DWORKIN constrói uma teoria do direito (fundada em princípios) que se propõe a garantir a segurança jurídica e a correção do direito. A sua teoria pode ser entendida como:

“uma tentativa de evitar as falhas das propostas de solução realistas, positivistas e hermenêuticas, bem como de esclarecer, através da adoção de direitos concebidos deontologicamente, como a prática de decisão judicial pode satisfazer simultaneamente às exigências da segurança do direito e da aceitabilidade racional. Contra o realismo, Dworkin sustenta a possibilidade e a necessidade de decisões consistentes ligadas a regras, as quais garantem uma medida suficiente de garantia do direito. Contra o positivismo, ele afirma a possibilidade e a necessidade de decisões ‘corretas’, cujo conteúdo é legitimado à luz de princípios (e não apenas formalmente através de procedimentos). No entanto, a referência hermenêutica a uma pré-compreensão determinada por princípios não deve entregar o juiz à história de tradições autoritárias com conteúdo normativo; ao contrário, esse recurso obriga-o a uma apropriação crítica de uma história institucional do direito, na qual a razão prática deixou seus vestígios; Dworkin tem em mente os direitos que gozam de validade positiva e merecem reconhecimento sob o ponto de vistas da justiça.”[4]

DWORKIN destaca-se como um dos mais importantes defensores da teoria dos princípios, mas a sua adequada compreensão somente pode ser realizada no contexto mais amplo da sua teoria do direito como integridade, na qual os princípios exercem um papel indispensável, especialmente na solução dos casos difíceis.

Na sua teoria do direito, DWORKIN propõe uma nova compreensão do direito fundada em distintos tipos de normas jurídicas (regras e princípios) para solucionar estes casos difíceis para os quais o positivismo não consegue encontrar uma resposta adequada.[5]

Os princípios diferenciam-se das regras e dividem-se em diretrizes políticas (policies) e princípios em sentido estrito (principle). DWORKIN classifica, pois, as normas jurídicas em: 1) princípios no sentido genérico, que se dividem em: 1.1) princípios em sentido estrito, entendidos como “uma diretriz que deve ser implementada e respeitada não porque vá garantir ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas por ser uma exigência da justiça ou da eqüidade ou de alguma outra dimensão moral”[6]; 1.2) diretrizes políticas, que seriam “aqueles tipo de diretriz que estabelece objetivos para serem alcançados pela comunidade, geralmente uma melhoria em alguma área econômica, política ou social da comunidade (apesar de alguns objetivos serem negativos na medida em que eles estipulam que determinadas conquistas precisam ser protegidas de mudanças adversas.”[7] ; 2) regras, que são normas sobre as quais “não podemos falar que uma é mais importante do que a outra no sistema de regras, de modo que quando duas regras conflitam, uma delas não pode ser válida.”[8]

Aos diferentes tipos de normas, aplicam-se modos diversos de resolução de conflitos, que irá mudar de acordo com o tipo de norma: 1) o conflito entre as regras resolve-se à maneira do tudo ou nada (all or nothing), em que a solução da controvérsia exige a invalidade de uma das regras conflitantes ou a incidência de uma cláusula de exceção para uma delas; 2) já o conflito entre princípios em sentido estrito resolve-se na dimensão do peso (não da validade), que é aferido a partir de uma leitura moral da Constituição orientada em princípios pelo juiz Hércules para que ser tomada a melhor decisão possível para aplicação do direito ao caso concreto; 3) já os problemas relacionados às diretrizes políticas resolvem-se fora do poder judiciário pelo poderes que atuam no campo estritamente político.

A figura do juiz Hércules, criada por DWORKIN,[9] simboliza as qualidades excepcionais de que deve ser dotado o juiz para reconstruir, com coerência, o direito vigente, em cada caso, para que seja tomada melhor decisão possível amparada na leitura moral dos princípios,[10] pois “uma decisão jurídica de um caso particular só é correta, quando se encaixa num sistema jurídico coerente.”[11]

Para garantir a correção do direito, uma reconstrução racional e coerente do direito vigente, fundada em uma leitura moral dos direitos individuais, é apresentada. Esta reconstrução parte de uma proposta liberal do direito, fundada numa leitura moral dos princípios liberais, em que os direitos devem ser entendidos como limites ao poder do Estado.[12]

Neste contexto, o princípio da integridade precisa ser reconhecido por todos os membros da comunidade do direito, que se reconhecem, reciprocamente, como dignos de igual respeito e consideração.

Hércules deve, então, reavaliar, com base em uma leitura moral dos direitos individuais, fundada no tratamento de todos com igual respeito e consideração, todos os precedentes judiciais para fazer a melhor interpretação do direito vigente.

Na reconstrução do direito em cada caso com base nos precedentes, o juiz deve decidir os casos novos de modo que sejam coerentes com todas as decisões anteriores. O procedimento adotado pelo juiz assemelha-se, na elegante metáfora de DWORKIN, ao procedimento adotado por um escritor de um romance em cadeia, que elabora cada novo capítulo do livro de modo harmônico com os capítulos anteriores.

A metáfora do romance em cadeia é útil por denotar a exigência de que cada decisão judicial integre-se de modo harmônico ao sistema de direitos. A coerência é a chave da compreensão do direito como integridade por harmonizar passado, presente e futuro. [13]

O olhar retrospectivo do juiz, contudo, não pode impedi-lo de abandonar, a qualquer tempo, os precedentes, que se revelarem inadequados para resolver a situação presente, pois o olhar do juiz deve ser voltado para apresentar hoje a melhor decisão, orientada em princípio, mas com os olhos para o futuro:

“O direito como integridade, portanto, começa no presente e só se volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine. Não pretende recuperar, mesmo para o direito atual, os ideais ou objetivos práticos dos políticos que primeiro o criaram. Pretende, sim, justificar o que eles fizeram (às vezes incluindo, como veremos, o que disseram) em uma história geral digna de ser contada aqui, uma história que traz consigo a afirmação complexa: a de que a prática atual pode ser organizada e justificada por princípios suficientemente atraentes para oferecer um futuro honrado. O direito como integridade deplora o mecanismo do antigo ponto de vista de que ‘lei é lei’, bem como o cinismo do novo ‘realismo’. Considera esses dois pontos de vistas como enraizados na mesma falsa dicotomia entre encontrar e inventar a lei. Quando um juiz declara que um determinado princípio está imbuído no direito, sua opinião não reflete uma afirmação ingênua sobre os motivos dos estadistas do passado, uma afirmação que um bom cínico poderia refutar facilmente, mas sim uma proposta interpretativa: o princípio se ajusta a alguma parte complexa da prática jurídica e a justifica; oferece uma maneira atraente de ver, na estrutura dessa prática, a coerência de princípio que a integridade requer.”[14]

Deste modo, a história e os precedentes são reconstruídos pelo intérprete para que a próxima decisão seja coerente com a tradição que a antecede. O intérprete, contudo, pode inovar e até mesmo construir uma nova interpretação, ainda que radicalmente nova, desde que coerente com a história que o precede, para adequar a situação a uma nova compreensão da realidade social amparada em uma nova leitura moral dos princípios constitucionais em que se deve buscar a melhor decisão para o caso concreto.

Neste contexto, a teoria da integridade rompe definitivamente com o ceticismo e o relativismo do positivismo ao admitir que há somente uma decisão correta para cada caso. E esta única decisão correta decorre da melhor leitura moral dos princípios para o caso concreto.

A interpretação judicial não é uma questão de preferência, pois não existe para o intérprete a opção de respeitar os princípios, nem mesmo a opção de respeitá-lo em maior ou menor medida. Os princípios são normas e, logo, constituem-se em mandamentos (proibições, permissões e determinações) de observância obrigatória pelo intérprete na aplicação de cada caso.

A teoria dos princípios de DWORKIN, que HABERMAS utiliza, adaptando-a a teoria do discurso, contrapõe-se a teoria dos princípios de ALEXY, que será analisada a partir de agora.



[1] A expressão teoria dos princípios é empregada, inclusive para o direito brasileiro, por BONAVIDES (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 265). Sobre o tema merece registro a obra de EROS GRAU que foi uma das primeiras a tratar da distinção entre regras e princípios na teoria do direito e no direito constitucional: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 73-120.

[2] BONAVIDES , Paulo, Curso de Direito Constitucional, p. 420: “Não vamos tão longe aqui a ponto de postular uma técnica interpretativa especial para as leis constitucionais, nem preconizar os meios e regras de interpretação que não sejam aquelas válidas para todos os ramos do Direito, cuja unidade básica não podemos ignorar nem perder de vista (doutra forma não se justificaria o longo exórdio que consagramos à teoria da interpretação e seus distintos métodos), mas nem por isso devemos admitir se possa dar à norma constitucional, salvo violentando-lhe o sentido e a natureza, uma interpretação de todo mecânica e silogística, indiferente à plasticidade que lhe é inerente, e a única aliás a permitir acomodá-la a fins, cujo teor axiológico assenta nos princípios com que a ideologia tutela o próprio ordenamento jurídico.”

[3] BONAVIDES , Paulo, Curso de Direito Constitucional, p. 231-238.

[4] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 252.

[5] DWORKIN entende que o positivismo parte de uma compreensão do direito como um sistema de regras jurídicas em que não há espaço para os princípios ou para policies: “Quando os positivistas analisam os princípios e as políticas, eles os tratam como regras manque. Eles assumem que se eles são padrões jurídicos devem ser regras, e então eles os compreendem como diretrizes que estão tentando ser regras.” No original: “There is another, more subtles consequence of this initial assumption that law is a system of law. When the positivists do attend to principles and policies, they treat them as rules manqué. They assume that if they are standards of law they must be rules, and so they read theam as standards that are trying to be rules.” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 59-60).

[6] No original: “I call a ‘principle’ a standard that is to be oberved, not because it will advance or secure na economic, political or social situation deemed desirable, but because it is a requirement of justice or fairness or some other dimension of morality.” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 43).

[7] No original: “I call a ‘policy’ that kind of standard that sets out a goal to be reached, generally an improvement in some economia, political or social feature of the community (though some goals are negative, in that they stipulate that some present feature is to be protected from adverse change).” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 43).

[8] No original: “we cannot say that one rule is more important role in regulating behaviour. But we cannot say that one rule is more important than another wihtin the system of rules, so that when two rules conflict, one of them cannot be a valid rule.” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 48).

[9] O juiz Hércules é uma metáfora utilizada por DWORKIN para demonstrar as qualidades excepcionais, quase divinas, do juiz que toma a melhor decisão em cada caso, respeitando o princípio da integridade e garantindo a coerência do direito. Para uma melhor compreensão de Hércules ver: DWORKIN, Ronald. O império do Direito, p. 377-492.

[10] DWORKIN refuta as críticas à incerteza de uma leitura moral da Constituição amparada em princípios. Segundo Dworkin, embora a leitura moral aplique-se à minoria dos casos, não significa que nos casos difíceis os juízes devam abdicar da segurança jurídica. A leitura moral é jurídica e por ser jurídica é ancorada na história, na prática e na integridade: “I emphasize these constraits of history and integrity, because they show how exaggerated is the common complaint that the moral reading gives judgens absolute power to impose their own moral convictions on the rest of us. Macauley was wrong when he said that the Americna Constitutional is all sail and no anchor, and so are the other critics who say that the moral reading turns judgens into philosopher-kings. Our constitutiona is law, and like all law it is anchored in history, practice, and integrity. Most cases at law - even most constitutional cases cases – are not hard cases. The ordinary craft of a judge dictates an answer and leaves no room for the play of personal moral conviction.” ( DWORKIN, Ronald. Freedom’s Law: the moral reading of the american constitution, p. 11.) HABERMAS faz uma leitura diferente da teoria do DWORKIN, contrária ao que afirma o próprio jurista Anglo-saxão, e entende que os casos, quase sempre, são difíceis: “Quando se parte do princípio de que, nos casos típicos para a jurisdição atual, não entram em jogo apenas regras específicas de aplicação, mas também princípios, é fácil mostrar por que existem uma grande possibilidade de colisões – não havendo, mesmo assim, uma incoerência profunda no sistema jurídico. Todas as normas vigentes são naturalmente indeterminadas, inclusive aquelas cujo componente ‘se’explicita a tal ponto as condições de aplicação, que elas somente podem encontrar aplicação em poucos situações típicas padronizadas e muito bem descritas (e podem encontrar aplicação sem dificuldades hermenêuticas). Constituem naturalmente exceções as normas que Dworkin caracteriza como ‘regras’e que, em casos de colisão, exigem uma decisão em termo de tudo ou nada” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 289)

[11] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 289

[12] DWORKIN sustenta um conceito liberal do direito e dos princípios: “The clauses of the American Constitution that protect individuals and minorities from government are found mainly in the so-called Bill of Rights – the first several amendments to the document – and the furthes amendments added after the Civil War (…) Many of these clauses are drafted in exceedingly abstract moral language. The first Amendment refers to the ‘right’ of free speech, for example, the Fifth Amendment to the process that is ‘due’ to citizens, and the Fourteenth to protection that is ‘equal’. According to the moral reading, these caluses must be undestood in the way their language most naturally suggests: they refer to abstract moral principles and incorporate these by reference, as limits on government’s power.” (DWORKIN, Ronaldo. Freedom’s Law: the moral reading of the american constitution, p. 6)

[13] HABERMAS explica o sentido de coerência em DWORKIN: “Coerência é uma medida para a validade de uma declaração, a qual é mais fraca que a verdade analítica, obtida através da dedução lógica, porém mais forte do que o critério da não-contradição. A coerência entre enunciados é produzidas através de argumentos substanciais (no sentido de Toulmin), portanto através de argumentos que revelam a qualidade programática de produzir um acordo racionalmente motivado entre participante da argumentação.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 289)

[14] DWORKIN, Ronald. O império do Direito, p. 274.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Gran Torino


Não é segredo para ninguém: Clint Eastwood, o ex-ator de bang bang, virou um dos principais diretores do mundo, responsável por filmes muito melancólicos que nos fazem refletir e sentir a vida mais presente, tornando possível um futuro melhor. Será?

Ou, pelo meno,s duas horas de um prazer que surpreende, emociona e diverte. Os filmes de Clint são mais do que um passa tempo e é o que deve esperar-se de qualquer filme que realmente valha à pena assistir.

Gran Torino, agora em DVD, é mais um filme que não decepciona. O filme, situado em subúrbio americano decadente após a queda das montadoras americanas, mostra os principais elementos das tensões vivenciais das pessoas atualmente: a dificuldade com a diferença (expressa nas relações familiares e na relação com os imigrantes), a violência doméstica (o problema das gangues) e internacional (a guerra que atormenta o protagonista do filme), a solidão (familiar, social e religiosa). Está tudo lá.

E, em um dos seus últimos filmes, Eastwood, ainda surpreende com a redenção do personagem que continua triste e melancólico mas que consegue dar significado à vida na solidariedade e no encontro com o outro que é, antes de tudo, um encontro consigo mesmo.

Marchando para o fim da vida, o protagonista acaba encontrando-se e o aparente anti-herói vira o único herói que importa cultivar atualmente: a pessoa que está disposta a viver e morrer para tornar a vida melhor e mais significativa.

Viva Clint Eastwood. Por muitos anos e com muitos mais filmes.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

O problema da interpretação do direito: o posivismo e o realismo


3 Dos paradigmas jurídicos para a teoria do direito: o problema da interpretação do direito

Já se afirmou, até aqui, que a compreensão do direito em uma determinada época histórica dá ensejo ao surgimento de um modelo social que permeia, implicitamente, a compreensão de todo o direito, formando o paradigma jurídico.

Na sociedade contemporânea, surgiram alguns paradigmas (liberal, social e procedimental, respectivamente), que foram estudados em suas implicações com as restrições aos direitos fundamentais. Agora, é necessário reduzir o nível de abstração para compreender o sistema de direitos e os direitos fundamentais a partir do novo paradigma proposto.[1]

A abordagem agora empreendida parte de uma perspectiva paradigmática para um ponto de vista mais concreto da teoria do direito, que se movimente “nos limites de ordens jurídicas concretas. Extrai os seus dados do direito vigente, de leis e casos precedentes, de doutrinas dogmáticas, de contextos políticos da legislação, de fontes históricas do direito, etc.”[2] Ela trata do sistema jurídico em sentido estrito,[3] que:

“abrange todas as interações, também as que não se orientam pelo direito, podendo produzir direito novo e reproduzi-lo enquanto tal. Para a institucionalização do sistema jurídico neste sentido, necessita-se da auto-aplicação do direito através de regras secundárias que constituem e transmitem as competências da normatização, da aplicação e da imposição do direito. Os ‘poderes’ do Estado, da legislação, da justiça e da administração distinguem-se de acordo com essas funções.”[4]

A teoria do direito abrange a aplicação das leis e a execução da lei por todos os poderes do Estado, mas privilegia a perspectiva jurídica de aplicação do direito pelos juízes e tribunais,[5] que revela, no final, “a autocompreensão coletiva dos membros do direito.”[6]

A teoria do direito permite que sobre o mesmo conceito de direito proponham-se diferentes concepções,[7] que refletem diferentes modos de interpretar o direito.[8] Estas diferentes concepções, embora ancoradas no direito do Estado Democrático de Direito, manifestam diferentes modos de resolver a tensão entre a necessidade de segurança jurídica e a pretensão de correção das normas jurídicas.[9]

Na tradição romano-germânica, existem três concepções ainda muito influentes[10]: 1) o positivismo; 2) o realismo; 3) a hermenêutica.[11] Na tradição anglo-saxão, foi introduzida por DWORKIN uma nova vertente, a teoria da integridade, que pode ser adequadamente transporta para a realidade romano-germânica, inclusive para o Brasil na medida em que este modelo refere-se ao Estado Democrático de Direito.[12]

Mais uma vez, a compreensão das diferentes concepções interpretativas tem uma repercussão direta para a compreensão das restrições aos direitos fundamentais. O positivismo, o realismo, a hermenêutica e a teoria do direito como integridade apresentam respostas completamente diferentes para a solução de conflitos que envolvam restrições aos direitos fundamentais, como se verá ao se estudar cada uma das teorias.


3.1 O positivismo

Na exposição sobre os paradigmas do direito, viu-se que o conceito de direito subjetivo da dogmática civil alemã foi determinante para a compreensão do sistema de direitos.[13]

O conceito de direito subjetivo partiu de uma fundamentação idealista, com base na teoria moral kantiana, para ir progressivamente perdendo a fundamentação moral até se distanciar completamente e passar a ser “o direito subjetivo (Berechtigung) que se fundamenta numa autorização positiva conferida por uma autoridade”[14].

Esta guinada não se verificou apenas na compreensão do direito subjetivo, mas na compreensão de todo direito, que passou a ser influenciado fortemente pelo positivismo jurídico. No século XX, apesar da barbárie nazista, que ocasionou o renascimento de correntes jusnaturalistas,[15] o positivismo continuou a ter muita influência e foi reformulado, surgindo modelos neo-positivistas com um grau maior de sofisticação.

Na verdade, o novo positivismo foi mais longe. As duas principais formulações do positivismo conseguiram ter grande influência nos dois principais sistemas jurídicos: 1) o sistema romano-germânico; 2) e o sistema anglo-saxão do common law.

No sistema romano-germânico, a teoria pura do direito de HANS KELSEN alcançou enorme prestígio, que até hoje é sentida, inclusive no Brasil. No sistema do Common Law, a influência do positivismo de HERBERT HART também foi muito grande.

Mesmo hoje, no início do século XXI, o positivismo ainda possui grande prestígio. No Brasil, podemos afirmar, como o faz ZAGREBELSKY em relação à Itália, que “o conceito do direito como um conjunto de normas de comportamento exclusivamente pelo legislador (ambos, constitucional e ordinário) ainda é prevalecente entre acadêmicos do direito, juízes e advogados”,[16] embora cada dia ocupe menos espaço, especialmente na academia.

Para que se possa criticar consistentemente o positivismo jurídico, é necessário, preliminarmente, que se compreenda em que ele consiste.[17] Antes, uma ressalva: não existe apenas um positivismo jurídico.[18] Todos, porém, partem de uma idéia comum: a tentativa de conferir a certeza e a segurança das ciências naturais às ciências sociais.[19]

Esta certeza só poderia ser alcançada caso se eliminasse a influência de qualquer interferência ética ou moral do direito por parte do intérprete: um verdadeiro cientista do direito não poder ser guiado por suas convicções filosóficas, religiosas ou políticas.

A história do direito já havia demonstrado, contudo, que não era possível uma concepção tão pura do direito. O juiz bouche de la loi já havia tornado-se uma figura vazia, conforme se pode observar inclusive no direito civil.[20]

O novo positivismo estava ciente desta circunstância. Ao invés de abandonar as premissas em que se baseava, reformulou-se a teoria positivista de modo a justificar, com aparente consistência, o direito como ciência pura.

Tanto o positivismo anglo-saxônico de HART[21] quanto o positivismo romano-germânico de KELSEN lograram êxito em suas novas propostas. As diferenças entre as duas teorias são muitas. Ambos, porém, partem das mesmas premissas tão caras ao positivismo e encontram resposta semelhante.

A certeza da ciência do direito é alcançada, segundo KELSEN e HART, a partir de um sistema coerente, seja por uma lei das leis (KELSEN) ou por uma regra de reconhecimento comum (HART). Na teoria pura do Direito, a unidade e coerência da “ciência” do direito decorre de um sistema hierárquico de normas, em que a norma inferior possui validade a partir da norma superior.[22]

Assim, a norma individual (a sentença judicial ou o ato administrativo) aufere o seu sentido a partir de uma norma superior (uma lei, um decreto etc), que por sua vez também precisa estar em consonância com outra norma superior. No último grau na escala hierárquica encontra-se a Constituição. Todas as normas devem observância à Constituição, que é o fundamento de validade de todas as normas.

Um sistema, que possui a pretensão de ser totalmente coerente e cientifico, não pode deixar em aberto a questão remanescente: se a Constituição é o fundamento de validade de todas as leis, qual o fundamento de validade da Constituição?

KELSEN responde: a norma hipotética fundamental é o fundamento de validade da Constituição. Ela é um pressuposto lógico-formal do sistema jurídico, que cumpre a importante função de garantir coerência ao sistema.

O escalonamento das normas jurídicas garante certeza e coerência ao sistema jurídico. Para que seja “cientifico”, o ordenamento jurídico tem que ser também puro, sem influências políticas, sociais, filosóficas ou religiosas.

A nova formulação do positivismo, pelo menos no modelo kelseniano, não nega que toda norma reflita um problema social, uma visão política, uma concepção religiosa. Apenas afasta estas considerações do jurista, que não pode levá-las em consideração.

A pureza é garantida, então, através da observância de um método dedutivo, lógico-formal, em que a atividade do intérprete restringe-se a fazer uma subsunção da norma superior à norma inferior até chegar à norma individual.

Falta analisar, contudo, um elemento nesta teoria: o problema da discricionariedade judicial. De fato, este modelo não apresenta uma solução para o problema da existência de diversas possibilidades de interpretação da norma. Qual é a decisão correta? Qual decisão é a mais justa?

São questões que o positivismo não responde. E não responde deliberadamente por uma simples razão: não existe decisão mais justa e mais correta para o positivismo.

Toda decisão é igualmente justa. A aferição da justiça de uma sentença não é um problema para o cientista do direito, que interpreta normas, mas um problema para a filosofia moral, para a política. A função do juiz é decidir seguindo o sistema hierárquico do ordenamento com objetividade e exatidão. Decisão injusta seria aquele que não observasse este método e que viesse a basear-se em subjetivas interferências morais e políticas.

Diante da impossibilidade de se encontrar a justiça, o melhor é conferir poder a um juiz para decidir, de modo discricionário (pretensamente objetivo, exato e puro), o caso de acordo com o método positivista, desvinculado de valores e dos preconceitos do juiz. Conferir abertura moral para o direito, significa, para o positivismo, retirar-lhe a condição de ciência.

O positivismo é herdeiro da tradição cética e relativista da ciência (natural ou matemática) que, diante da impossibilidade de se provar (segundo o método das ciências naturais de verificação empírica e das ciências matemáticas de verificação lógica) a verdade ou a justiça, prefere conferir poder para o juiz para tomar qualquer decisão.

Daí decorre outro postulado fundamental do neo-positivismo: a atividade judicial é discricionária. A sentença é um ato de decisão em que o juiz possui poder para tomar a decisão que quiser desde que a aplicação fique na moldura da norma dentro da qual há várias possibilidades, sendo indiferente para o direito qualquer opção,[23] o que resulta na impossibilidade de garantia até mesmo de que a interpretação irá manter-se dentro da moldura.[24]

No reconhecimento da discricionariedade do intérprete reside a grande contradição do positivismo, pois a certeza que foi alcançada pelo método lógico dedutivo é negada pela discricionariedade judicial.

Ao modelo relativista, cético e cientificista do positivismo crítico (tanto no modelo anglo-saxão de HERBERT HART, quanto no modelo romano germânico de HANS KELSEN), que renuncia à correção da norma jurídica em favor da segurança, sem conseguir alcançar nem uma nem outra, apresentaram-se diversas teorias críticas baseadas em uma concepção realista, hermenêutica e principiológica do direito.



3.2 O realismo

Ao positivismo, que submete o direito a uma concepção estritamente formalista, centrada exclusivamente na interpretação formal de uma norma axiologicamente neutralizada sobre o ponto de vista da metodologia do direito, opõe-se o realismo, que parte de uma premissa oposta: a interpretação do direito deve submeter-se ao seu contexto social.

Com efeito, no século XX, surge em oposição as correntes formalistas que dominaram o século XIX o realismo jurídico (EUA), a escola do direito livre e a jurisprudência dos interesses (Europa). Estes movimentos, apesar de suas discordâncias, devidas inclusive a diversidade de sistemas jurídicos em que foram formuladas, consideravam que a atividade dos juizes não era substancialmente distinta da atividade do legislador, o próprio interprete deveria auto-limitar-se na sua atividade. [25]

Diante da impossibilidade de separar claramente a norma da realidade social na qual se insere, o realismo opta por renunciar à segurança do direito em favor da correção, que é garantida por uma interpretação cuja justiça decorre da legitimidade das interpretações judiciais fundadas em orientações axiológicas, que o interprete deve reconstruir. [26]

No realismo jurídico, confere-se ampla discricionariedade ao juiz para interpretar o direito livremente, sendo a interpretação tanto mais legítima quanto mais se aproximar de decisões voltadas para o futuro e que sejam consideradas racionais sobre o ponto de vista axiológico.[27] DWORKIN também identifica esta concepção no direito americano, qualificando-a como uma teoria semântica (ao lado do jusnaturalismo e do positivismo), resumindo-a:

“Os estudantes aprendem que o segundo rival do positivismo é a escola do realismo jurídico. As teorias realistas foram desenvolvidas no início deste século, sobretudo nas escolas de direito norte-americanas, embora o movimento tivesse ramificações em outros lugares. Se as tratarmos como teorias semânticas, elas afirmam que as regras lingüísticas seguidas pelos advogados tornam as proposições jurídicas adjuvantes e prenunciativas. A melhor versão sugere que o exato significado de uma proposição jurídica –as condições nas quais os advogados irão considerar verdadeira a proposição – depende do contexto. Se um advogado afirma a um cliente que o direito permite que os assassinos herdem, por exemplo, deve-se entender que ele está prevendo que é isso que os juízes vão decidir quando o caso for levado ao tribunal. Se um juiz faz tal afirmação ao emitir seu voto, está apresentando um outro tipo de hipótese prenunciativa sobre o mais provável curso a ser seguido pelo direito na esfera geral de sua decisão. Alguns realistas exprimiram essas idéias em uma linguagem profundamente cética. Afirmaram que o direito não existe, ou que resulta daquilo que o juiz tomou em seu café da manhã. Queriam dizer que não existe nada que se possa chamar direito, a não ser esses diferentes tipos de previsões. Contudo, mesmo assim compreendido, o realismo permanece extremamente implausível como teoria semântica.”[28]

Na tradição romano-germânica, HABERMAS situa nesta concepção o realismo legal, a Escola do direito livre, a jurisprudência dos interesses[29] e o utilitarismo jurídico[30]. O fracasso desta concepção é evidente, pois sacrifica a segurança jurídica em favor de decisões presumidamente melhores por serem voltadas para o futuro:

“A revocação não-dissimulada da garantia de segurança do direito significa que a jurisdição precisa renunciar, em última instância, à pretensão de estabilizar as expectativas de comportamento, que é a função do direito. Os realistas não conseguem explicar como é possível combinar a capacidade funcional do sistema jurídico com a consciência dos especialistas participantes, a qual é radicalmente cética em termos de direito.”[31]

O positivismo e o realismo situam-se em pólos opostos: 1) o positivismo é centrado na garantia de segurança jurídica por um sistema excessivamente formalista que sacrifica a pretensão de legitimidade do direito sem conseguir assegurar a segurança a que se propunha; 2) o realismo é centrado na garantia de correção da interpretação do direito por um juiz que dispõe de ampla margem de discricionariedade para aplicar o melhor direito em detrimento da segurança jurídica, sem assegurar, sequer, que a legitimidade seja preservada por permitir a existência a qualquer tempo de interpretações subjetivistas e arbitrárias.

Apesar destes gravíssimos defeitos, o realismo cumpriu a função histórica de resgatar a importância da busca pela melhor interpretação do direito, que havia sido negada pelo formalismo jurídico, representado especialmente pelo positivismo.
[1] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 241-242: “Um ‘modelo social do direito’(Wieacker) contém implicitamente uma teoria social do sistema jurídico; portanto, uma imagem que esse sistema constrói acerca de seu ambiente social. A partir daí, o paradigma do direito esclarece o modo como os direitos fundamentais e os princípios do Estado de direito devem ser entendidos e realizados no quando de tal modelo.”
[2] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 244.
[3] Aqui, deve-se distinguir entre sistema de direito em sentido mais estrito, referido no texto, e em sentido amplo. A direito, enquanto sistema de ação, podemos subordinar a totalidade das interações reguladas através de normas. Luhmann, por exemplo, define o direito, neste sentido mais amplo, como o sistema social parcial, especializado na estabilização de expectativas de comportamento.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 242.
[4] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 242.
[5] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 244: “Uma vez que todas as comunicações a nível do direito apontam para pretensões reclamáveis judicialmente, o processo judicial constitui o ponto de fuga para a análise do sistema jurídico.”
[6] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 245.
[7] Para compreender melhor a discussão ver: DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Carmago. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 112-120. Nesta obra, DWORKIN apresenta três concepções (1 - o convencionalismo; 2 - o pragmatismo; 3 - o direito como integridade) do mesmo conceito de direito, que é o seguinte: “De modo geral, nossa discussão sobre o direito assume – é o que sugiro – que o escopo mais abstrato e fundamental da aplicação do direito consiste em guiar e restringir o poder do governo da maneira da maneira apresentada a seguir. O direito insiste em que a força não deve ser usada ou refreada, não importa quão útil seria isso para os fins em vista, quaisquer que sejam as vantagens ou a nobreza de tais fins, a menos que permitida ou exigida pelos direitos e responsabilidades individuais que decorrem de decisões políticas anteriores, relativas aos momentos em que justifica o uso da força pública.” (DWORKIN, Ronaldo. O Império do Direito, p. 116).
[8] Para uma erudita síntese da interpretação no Estado Democrático de Direito ver capítulo da tese de livre docência de NEVES: NEVES, Marcelo. A interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, WIILIS Santiago Guerra (orgs.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 356-376.
[9] Sobre o significado de correção HABERMAS afirma: “A correção de juízos normativos não pode ser explicada no sentido de uma teoria da verdade como correspondência, pois direitos são uma construção social que não pode ser hipostasiada em fatos. ‘Correção’significa aceitabilidade racional, apoiada em argumentos.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 281).
[10] Aqui, adotou-se mais uma vez a proposta de HABERMAS, excluindo as propostas jusnaturalistas: “Quando se parte da idéia de que a opção do direito natural, que simplismente subordinava o direito vigente a padrões suprapositivos, não está mais aberta, oferecem-se três alternativas para o tratamento da questão central da teoria do direito, a saber: (a) a da hermenêutica jurídica; (b) a do realismo; (c) a do positivismo jurídico.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 247)
[11] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 247-252.
[12] O teoria do direito como integridade, também, é defendida por HABERMAS, com algumas alterações, como modelo para a teoria do direito no Estado Democrático de Direito. Ver: HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 261-275.
[13] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 116. Embora esta afirmação refira-se ao direito alemão, o mesmo pode ser dito do direito brasileiro, mesmo porque a dogmática do direito civil alemão inspirou a elaboração do direito civil brasileiro, que moldou, à semelhança da Alemanha, a compreensão do direito como um todo. Diversos civilistas brasileiros (BEVILÁQUA ETC) fundamentavam-se na dogmática civilista alemã, inclusive CLÓVIS BEVILÁQUA E MOREIRA ALVES.
[14] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 154.
[15] STAMMLER e DEL VECCHIO são dois autores que marcam o ressurgimento do jusnaturalismo. Para a compreensão do neo-jusnaturalismo deste autor ver: VECCHIO, Giorgio del. Lições de Filosofia do Direito. Tradução de António José Brandão. 5. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 575-589. Título original: “Lezioni di Filosofia del Diritto”.
[16] ZAGREBELSKY, Gustavo. Ronald Dworkin’s principle based constitutionalism: An Italian point of view. In: International Constitutional Law, p.622.
[17] O movimento positivista filosófico-sociológico, do qual o positivismo jurídico é herdeiro, adveio da proposta de Augusto Comte, que, impressionado com o desenvolvimento da ciência, acreditava na superação das fases anteriores (teológica e metafísica) da humanidade pela ciência. Para a compreensão filosófica e sociológica do Positivismo ver: REALE, Giovanni; ANTISIERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias, p. 295-349.
[18] Segue-se, aqui, a crítica formulada por DWORKIN que parte de três formulações genéricas comuns ao positivismo para criticar especialmente os modelos propostos por AUSTIN e HART. Embora analise estes dois autores anglo-saxãos, DWORKIN deixa claro que suas críticas funcionam para todos os modelos positivistas: “Positivism has a fix central and organizing propositions as its skeleton” (DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 38.).
[19] A pretensão de KELSEN de pureza, exatidão e objetividade da ciência do direito é claramente apresentada no primeiro parágrafo do prefácio à primeira edição de sua principal obra: “Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica do seu objeto. Logo desde o começo foi meu intento elevar a jurisprudência, que – aberta ou veladamente – se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar, não as suas tendências endereçadas à formação do direito, mas as suas tendências dirigidas ao conhecimento do Direito, e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda ciência: objetividade e exatidão.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, prefácio, p. XI, grifei).
[20] No início do século XX, no Brasil, o legislador civil explicitou o que já era de conhecimento da doutrina e da jurisprudência: a lei por mais perfeita e acabada não apresenta solução para todos os conflitos. Neste sentido, a lei de introdução ao Código Civil, do início do século passado, demonstra a percepção clara e inequívoca da incompletude da lei ao permitir que o juiz decida em caso de omissão “de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito” (art. 4º da LICC). A insuficiência da lei não decorre apenas da impossibilidade lógica e fática de se prever todas as situações. Mesmo que fosse possível um legislador que antevisse todas as situações, a interpretação não poderia se limitar a uma atividade em que o intérprete é apenas a boca da lei. Os critérios utilizados para preencher as lacunas (a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito) já demonstram a riqueza e a complexidade da interpretação, pois o juiz terá que decidir, “como se fosse o legislador para o caso” e com base em termos pouco precisos como princípios gerais do direito e costumes ou mesmo a analogia. Neste contexto, a atividade do juiz deixa de ser uma atitude supostamente ingênua e passiva e se converte, pelo menos no caso de omissão, em uma atividade “ativa”, pois a tentativa de utilizar a subsunção (em que a lei é a premissa maior, o fato é a premissa menor, e a decisão a conclusão) levaria, inevitavelmente, a um non liquet. O exemplo da omissão legislativa e do preenchimento das lacunas pelo legislador serviu para demonstrar que com o novo século surgiu a necessidade de uma nova postura dos juristas. A fragilidade do formalismo jurídico, nos seus diferentes matizes, poderia ser demonstrada com muitos outros exemplos, como os conceitos jurídicos indeterminados, a mudança da interpretação no tempo.
[21] As críticas ao positivismo de HERBERT HART acompanham aqui as idéias de DWORKIN: a) DWORKIN, Ronald. Is Law a System of Rules? In: DWORKIN, Ronald (ed.). The Philosophy of Law, p. 38-65 e b) DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 42-54.
[22] KELSEN, com sua clareza peculiar, explicita o fundamento de validade das normas: “O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem esssencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à ordem jurídica cujas normas são criadas de conformidade com esta norma fundamental. Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 221).
[23] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 390: “O direito a aplicar forma (...) uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível.”
[24] KELSEN explícita esta possibilidade e admite que a interpretação fora da moldura é perfeitamente coerente com a teoria da interpretação do direito exposta na Teoria Pura do Direito: “A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa.” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 394, grifei). A Teoria Pura do Direito somente passou a admitir a possibilidade de interpretação completamente fora da moldura como integrante da teoria da interpretação do direito a partir da edição de 1960 (OLIVEIRA, Marcelo de Andrade Cattoni de. Interpretação como ato de conhecimento e interpretação como ato de vontade: a tese kelseniana da interpretação autêntica. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (Coord.). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, 121-150).
[25] CRISTINA QUEIROZ resume a intenção do realismo aplicado ao direito constitucional: “De forma esquemática, a essência do método realista de interpretação constitucional consistia na afirmação de que o verdadeiro legislador não era o autor do texto, mas o seu interprete aplicador" QUEIROZ, Cristina. Interpretação Constitucional e Poder Judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional, p. 138.
[26] As preocupações, no realismo, voltam-se para o Judiciário e o desempenho de sua função, notadamente do interprete da constituição. “No limite, o problema da aplicação judicial da constituição não se apresenta unicamente como uma questão de direito substantivo, mas ainda de organização da administração da justiça e da escolha da pessoa chamada a exercer a função de juiz. O que se torna relevante é agora a ‘personalidade’ do juiz, a sua ‘ética profissional’. Num Estado de direito ‘bem governado’ deve-se autorizá-lo a utilizar ‘todos’ os argumentos necessários, ‘todas’ as técnicas interpretativas, que lhe permitam fundamentar corretamente as suas decisões.” QUEIROZ, Cristina. Interpretação Constitucional e Poder Judicial: sobre a epistemologia da construção constitucional, p. 145.
[27] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 249.
[28] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 45.
[29] Para uma imagem positiva do papel histórico da jurisprudência dos interesses ver a posição de LARENZ, karl. Metodologia da ciência do direito, p. 63-77: “Pode hoje, pois, verificar-se que a Jurisprudência dos interesses, apesar do graves defeitos que tem na sua fundamentação teorética, atingiu plenamente os fins práticos, que era o que propriamente lhe importava.” (LARENZ, karl. Metodologia da ciência do direito, p. 77).
[30] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 249.
[31] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 250.