quarta-feira, 25 de junho de 2008

Desonra: Coetzee entre a civilização e a barbarie

Pollock, She-wolf, no MOMA, NY



Desonra é o grande livro de Coetzee, o sul-africano ganhador do prêmio nobel de literatura. E o que o autor conta no livro é, justamente, a história sofrida da África dividida na fronteira entre civilização e barbarie: uma história de honra!

Uma história densa, cheia de enigmas e questões em aberto, mas que, nem por isso, deixa de ser contundente ao expor as vísceras e contradições de uma África que adere a moral conservadora do ocidente sem abandonar a vileza e a sordidez da violência escravocrata e tribal.

Sob o manto calmo do cotidiano de um departamento de literatura e poesia se derraram toda sordidez de uma sociedade contaminada pela violência mal disfarçada pela hipocrisia dos civilizados e pelo cinismo dos incivilizados.

O Professor David Lurrie, sútil intérprete do poeta Wordsworth e devaneante leitor de Byron, aceita o pacto e se mantêm 'integro', conseguindo se equilibrar na tênue fronteira entre paixão e razão através de seus devaneios literários e de relações sexuais semanais com uma prostituta, mantida pelas fantasias que só o Professor alimenta: em sua imaginação há romance no que para ela é uma relação puramente comercial. Quando a farsa se revela e Lurrie fica sem a sua 'amante' paga, todo equilíbrio íntimo se rompe e o Professor faz a única coisa que não poderia fazer: reconhece na farsa aquilo que ela é.

O escritor segue os seus instintos e tem um caso pouco sigiloso com a aluna Melanie Isaacs; um caso 'quase público' entre professor e aluna não poderia ser aceito impunemente em um local em que era necessário um código de honra tanto mais rígido quanto mais necessário era para esconder um código oculto de desonra dominante. Desmascarado, o Professor reconhece o erro, assume-se culpado sem sentir culpa, e toda hipocrisia daquele universo fica evidente demais para que possa ser aceita.

A partir de então, Lurrie desce ladeira abaixo e quanto mais se esforça para manter sua dignidade mais humilhações é forçado a aceitar; a equação se inverte e neste universo se é tratado com tanto maior dignidade quanto menos digna for a pessoa: em um universo em que ninguém é digno reconhecer-se indigno é condição para se manter alguma dignidade.

Coetzee fala, em Desonra, da violência, oculta e manifesta, da África pós-apartheid, que não é tão diferente da violência no Brasil, em Paris, em São Paulo ou em Los Angeles. Neste jogo perverso de subjugação em que convivem 'civilizados', bárbaros e seus respectivos instintos só não é permitido expor as regras do jogo, pois revelar a violência oculta é torná-la intolerável a civilização não pode aceitar tamanha desonra.

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