segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Olimpíadas: Pequim 2008



Goya, "Os fuzilamentos de terceiro de maio"
Pequim 2008: A China, Michael Phelps e o Império Russo

Nas olimpiadas de Pequim parece que dois assuntos dominam a cena: o surgimento do novo recordista mundial de medalhas de ouro (oito ouros em oito provas disputadas na natação) Michael Phelps e a guerra, quase discreta, mas muita sangrenta, entre a Rússia e a Georgia, que sob o pretexto de retomar a Ossétia invadiu a Geórgia.

Em um novo mundo, em que a China em especial, acompanhada de outros gigantes asiáticos, como o rival Japão, dos Tigres Asiáticos e da Índia, começa a ocupar um lugar de destaque, a imprensa ocidental está conferindo mais atenção aos recordes de Michael Phelps do que a vitória acachapante da China sobre os Estados Unidos no número de medalhas de ouro, o critério usual adotado para a classificação.

A vitória da China representa uma conquista do esforço coletivo de um país rumo ao terceiro milênio e, nas Olimpíadas, o "Império do Meio" fez de tudo para mostrar sua grandiosidade através das vitórias no esporte, da delicadeza e intensidade da abertura e da beleza das obras que ergueu, algumas das maravilhas do XXI milério, como o "Ninho do Pássaro", o magistral estádio olímpico de de Herzog e Meuron (http://en.wikipedia.org/wiki/Herzog_&_de_Meuron), e o Cubo d´Água da Australiana PTW.
Mas tão significativo quanto o desempenho da China é a ênfase que se tem dado às conquistas de Michael Phelps, que superou o recorde de 7 medalhas de ouro conquistadas por seu compatriota, Mark Spitz, nas olímpiadas de Munique de 1972.

Os Estados Unidos parecem querer passar para o mundo a mensagem de que o talento individual dos americanos, inclusive de apenas 1 (um) americano, é mais importante do que as conquistar coletivas da China.

Neste cenário, mais do que a rivalidade entre dois países cuja economia e os valores cada dia mais se aproximam, revelam-se as tensões contemporâneas que não podem ser colocados em baixo do tapete: na sociedade complexa convivem projetos de vida diferentes e modelos de Estado e Sociedade concorrentes e rivais.

A China está se integrando ao mundo ocidental e não teve qualquer pudor em se valer das vantagens do sistema capitalista, da tecnologia e da arte ocidental: na abertura dos jogos e na nova arquitetura chinesa são os ocidentais quem se destacam, mas a China insiste em permanecer fiel à tradição autoritária de Estado do Oriente.

Por isto, as vitórias de Phelps parecem mais importantes do que as conquistar da China: nós compartilhamos a crença na prevalência do indivíduo sobre o Estado.

As promessas de inclusão e de tratamento igualitário do Ocidente é que são as idéias que nos seduzem e a adoção apenas parcial pelo "Império do Meio" da cultura ocidental é difícil de ser assimilada e compreendida.

Daí porque se ouve tanto: a China é uma potência, mas é autoritária; a China está ficando rica, mas não respeita os direitos humanos e polui o meio-ambiente. A China foi a estrela dos jogos olímpicos de Pequim, mas Michael Phelps é quem será lembrado. Será?

O sucesso econômico e esportivo chinês não deve ser interpretado, porém, como uma vitória do autoritarismo: modelos autoritários podem, eventualmente, ser mais rápidos e eficientes mas as contradições "colocadas para debaixo do tapete" geram tantas tensões que cedo ou tarde este modelo tende a entrar em grave crise ou em colapso.

A principal vitória da cultura do ocidente é a universalização da idéia de que o Estado e a sociedade existem para garantir que cada um de nós tenha iguais oportunidades para realizar o projeto de vida que considerarmos melhor para nós mesmos.

Estados autoritários, que exageram na intervenção do Estado na sociedade, podem até assumir este compromisso formalmente e assinar as Cartas de Direitos Humanos das Nações Unidas, mas não conseguem conviver com um mundo radicalmente democrático.

O Ocidente universalizou a idéia de que não é o Estado quem decidirá o nosso destino, nem tampouco interferirá nos nosso quotidiano, dizendo o que podemos assistir, ver e dizer, salvo excepcionalmente sempre com possibilidade de se recorrer ao Judiciário para se discutir a legalidade do ato.

E não é o estado que fará estas escolhas por nós, ainda que por vezes a escolha do Estado possa parecer 'melhor': é curioso saber que o gigante Chinês do basquete, Yao Ming, (aqui gigante não é nenhuma metáfora, Yao Ming tem 2,29 m), seja filho do casal mais altos da China como parte de um projeto coletivo.

No Estado Democrático de Direito, criação do ocidente, não importa se será melhor para o Estado casar o homem mais bonito com a mulher mais bonita: quem escolhe o que fará da própria vida é o indivíduo.

O próprio destaque conferido a Li Ning ao acender a pira olímpica já parece uma mudança de mentalidade na China: foi o atleta quem se destacou para no momento mais sublime da abertura.

E, no final das contas, até mesmo um país autoritário, apesar de todas as suas contradições, pode constribuir com uma noção menos egoísta e mais solidária de sociedade, representada por grandes obras coletivas, sem renunciar reivindicação de liberdade e de igualdade do ocidente.

Mesmo com as suas violações aos direitos humanos e ao meio-ambiente, foi a China quem teve que fazer as maiores concessões para se desenvolver e ela não chega a apresentar um projeto rival de modelo econômico e social alternativa para o ocidental: nós criticamos e admiramos a China mas não queremos ser iguais a ela.

O ocidente parece esquecer as próprias lições que se esforça em 'ensinar' ao mundo, como na política internacional para os imigrantes pelos países ricos (tema para um novo texto), pelo protecionismo econômico e pela prática autoritária e belicista que muitas vezes adota.

É bastante significativo que a Rússia tenha deflagrado uma Guerra durante os jogos e ao ser criticada pelos EUA afirme, oficialmente, que um país que invadiu o Afeganistão e o Iraque não tem poder moral para lhe dizer o que fazer. Com uma diferença, na questão de Guantânamo e no tratamento dos presos, foi o próprio Judiciário Americano quem reconheceu os erros do governo americano, o que não parece ser viável na China ou na Rússia. E esta é uma diferença fundamental para uma democracia, como afirmei em texto anterior: http://eneasromero.blogspot.com/2008/07/boumediene-v-bush-redescobrindo-o.html

No xadrez da geopolítica mundial, a Guerra da Rússia contra a Geórgia pode ser explicada pela importância do acesso ao petróleo e ao gás do Cáucaso (pelo qual Hitler já nutrira sua cuspidez), pela tensão provocado pela possível entrada na OTAN da Geórgia, pelo significado político do deslocamento da Geórgia da zona de influência da Rússia para o Ocidente e pelo caldeirão étnicos que são os ex-satélites da antiga URSS, como bem explicado no artigo de David Remnick, "Boundary Issues", na New Yorker: http://www.newyorker.com/talk/comment/2008/08/25/080825taco_talk_remnick

O mundo, mais preocupado com os jogos olímpicos pode até parecer não se importar tanto com o que acontece no Caucaso, mas o significado desta guerra não pode ser negligenciado. Não vi ninguém defender que seja um retorno da guerra fria, mas esta guerra parecer atender a um chamado do império russo.

Quando o Ocidente rico pratica uma guerra de conquista e continua a dotar contra países pobres, do ocidente e do oriente, uma política que contradiz as promessas que sempre defendeu o seu discurso fica parecendo hipócrita.

Idéias como a de que a China não pode condenar os seus cidadãos à morte, mas os EUA podem; a Rússia não pode invadir a Geórgia, mas os EUA podem invadir o Iraque; a China não pode poluir o mundo, mas os EUA sim, revelam contradições graves demais e na história das olimpíadas talvez seja esta a principal história a ser contada.

As Olimpíadas da China serão lembradas por Phelps e pelas vitórias da China mas permancerão na memória pela beleza dos jogos e pelas contradições que o mundo de Putin, George W. Bush e da própria China revelam. Em alguma hora, espero que as máscaras comecem a cair e aí poderemos construir o mundo que importa: um mundo em que o talento e a dedicação individual convivam em harmonia com o respeito ao outro.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Delírio


"Delírio", último romance de Laura Restrepo, escritora colombiana com formação filosófica e atuação política, é um dos retratos íntimos não revelados da Colômbia e da América hoje.

Augustina, rica herdeira de família atormentada pelo cinismo e pela superficialidade das relações familiares e afetivas e pela hipocrisia da riqueza agrária tradicional que permanece 'íntegra' pela lavagem do dinheiro das drogas, é a personagem delirante do título.

Casada com um professor idealista e fracassado, atormentada pelo passado glorioso e triste, Augustina tenta manter o equilíbrio difícil entre a dura e inaceitável realidade e a loucura capaz de dar paz. Não conseguindo a tranqüilidade desejada, Augustina delira na lucidez e na loucura e procura estabelecer uma rede sincera de afetos, mas que os sentimentos contraditórios não permitem que seja duradoura: a esperança e alegria intensas são substituídas pela tristeza, apatia e depressão na loucura.

Paradoxalmente, no livro, a inverossimilhança dos acontecimentos reais e as fantasias devaneante dos sonhos revelam múltiplas faces da mesma realidade.

Na história, a complexa rede de relações afetivas e de fantasmas que habitam o espírito de Agustina vai revelando-se lentamente, desde o seu devaneante avó, passando pela sempre tensa relação doméstica de intensos ódios e amores de modo a ir justificando o surto da protagonista de “Delírio”.

Na Colômbia (e na América) do livro, tudo parece encaixar-se e nada se ajusta: o dinheiro ganho ilicitamente, o adultério e o incesto parecem pedir um fim trágico, mas, no desenrolar da história, tudo parece tão normal que é a mudança e a ruptura que são sentidas como inesperadas. Daí porque a repugnante conduta de Midas Macallister parece tão normal e passamos a ter simpatia por aquele que é o vilão da história, que tem anti-heróis demais e mocinhos de menos.

A própria escolha do sonoro nome Midas Macallister já é bastante reveladora, pois o que Midas sugere é justamente o contrário do que o nome anuncia: no romance tudo o que midas toca se transforma em sujeira e sordidez. O grande paradaxo é que Midas, o pior representante deste mundo sórdido, é quem é o produto deste meio. Mas afinal, alguém pode ser considerado um "produto do meio"?

Num ambiente de completa degeneração moral parecem restar poucas opções entre a adesão passiva, que rapidamente vira ativa, à corrupção e a insignificante honestidade: o 'herói' do livro opta pela sanidade e pela pobreza, mas é condenado a conviver com a loucura e com o delírio.

Este talvez seja o grande drama da América: para se manter íntegro é necessário, mais do que uma recusa permanente em se assimilar, o que já é muito, que se construa um universo paralelo, uma rede de relações afetivas próprias, fortes, construtivas e transformadoras.

E se nem assim for o suficiente, acompanhe Laura Restrepo e seus delírios. Na pior das hipóteses, será um grande prazer se você conseguir sair ileso desta leitura: eu não consegui

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O caso das algemas


Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) aniquilou a possibilidade de se aferir os antecedentes criminais de um candidato que concorra a eleição a cargos públicos o Tribunal decidiu que a utilização de algemas por presos é excepcional e precisa ser justificada.

Por 10x0, os juízes do STF anularam o sentença que condenou o autor de um homicídio que permanecera algemado durante o julgamento pelo Tribunal do Júri ao considerar que o uso da algemas era lesivo a sua dignidade e poderia influenciar no resultado do julgamento.

A decisão não chega a ser novidade: a Primeira Turma do STF, em 22 de agosto de 2006, no HC 89.492, já havia decididio que: "O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade."

Antes o STF, através da 2a Turma, já havia decidido, no julgamento do HC 71195-SP, relator Francisco Rezek, que: "UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS NO JULGAMENTO. MEDIDA JUSTIFICADA. I - No concurso material de crimes considera-se, para efeito de protesto por novo júri, cada uma das penas e não sua soma. II - O uso de algemas durante o julgamento não constitui constrangimento ilegal se essencial a ordem dos trabalhos e a segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido."

O que apenas ratificou a jurisprudência que vem desde a época da ditatuda, pois, conforme decidido pelo STF, no HC 54645, de 1978, relator Cordeiro Guerra: NÃO CONSTITUI CONSTRANGIMENTO ILEGAL O USO DE ALGEMAS POR PARTE DO ACUSADO, DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, SE NECESSARIO A ORDEM DOS TRABALHOS E A SEGURANÇA TESTEMUNHAS E COMO MEIO DE PREVENIR A FUGA DO PRESO."

Mas agora é para valer: o STF editou uma súmula vinculante estabelecendo que: '“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”

Ao exigir que a necessidade de algemar os presos precise ser justificada por escrito, o Supremo Tribunal Federal parece mirar no alvo errado. É evidente que o uso abusivo das algemas deve ser evitado e é recomendável e razoável que somente ocorra "em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros". Embora o uso de algemas por pessoas presas não deva ser considerado tão excepcional assim, pois, afinal, a pessoa está presa por alguma razão: se 20 % dos presos vierem a ser alegamdos por imperiosa necessidade não se pode falar propriamente em uma exceção.

Mas o maior o problema é saber quando algemar: quem fica com a bronca é a polícia. E se o cara, com apenas 1 (um) processo por homicídio, como no caso julgado pelo STF, digamos, resolver reagir: o juiz e o policial devem assumir o risco e liberar as algemas sob pena de nulidade da prisão ou do ato processual e responsabilização civil, criminal e administrativa?

Quem conhece a criminalidade brasileira de perto sabe o quanto vai ser difícil e perigoso manter esta decisão: eu mesmo já fiz um Júri de um preso sem algema que durante o julgamento escondia uma navalha dentro da sandália. A juíza do caso anulado, filha do juiz-MInistro Peluso, parecia não se sentir segura para julgar um homicida sem algemas: o STF disse que bastava convocar mais policiais, mas quem trabalha nos rincões do Brasil bem sabe que não é tão fácil assim.

A Constituição não autoriza que um preso possa ser humilhado, pois a própria prisão já é uma medida de constrição extrema e mais do que suficiente: tanto que a grande maioria dos juízes já ouvia a maioria dos presos sem algemá-los, embora eles costumassem ser conduzidos ao fórum algemados. Era necessário? Difícil dizer...

O risco da nova decisão do STF é que ela vai transferir todo ônus para a polícia e para os juízes de primeiro grau, especialmente os que atuam na 'clínica geral' da criminalidade: quando se pode saber que um simples autor de um furto, roubo ou de um homicídio nutre um ódio assassino pela autoridade ou por terceiro ou uma vontade irresistível de fugir. Difícil saber, exceto se o 'bandido' estiver na lista dos magnatas da criminalidade política ou finaneira. A decisão, portanto, parece que vai ser para banqueiro ver.

Para quem acha que o STF acertou o alvo certo coloquei uma foto do C.E.O. (Presidente) da Enron (a gigante bilionária falida do setor de energia) preso e algemado; quem preferir celebridades, a foto de Michael Jackson falar por si: http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/americas/3227346.stm

Nos EUA, o Judiciário não parece preocupado com o abusivo uso de algemas pela polícia contra grandes figurões e uma pessoa pobre injustamente algemada até tentou indenização do Estado pelo uso desnecessário de algemas: perdeu na Suprema Corte (Caso Muehler v. Mena, em 2005, http://www.oyez.org/cases/2000-2009/2004/2004_03_1423/). Será que isso significa que o nosso Judiciário está mais preocupado com a cidadania que o deles?

Temo que não: no Brasil a responsabilização ainda incipiente de agentes públicos e privados parece ainda engatinhar e um empurrãozinho do Supremo só viria a ajudar, mas parece que neste caso o STF está mais preocupado em manter Daniel Dantas, Celso Pitas e Cia. Ltda. sem algemas do que em impedí-los de ser candidatos.

No Brasil, até hoje não foram as ações contra os corruptos milionários que colocaram a democracia em risco.

sábado, 9 de agosto de 2008

Direito, Filosofia e Linguagem: a importância da hermenêutica filosófica


Por que um profissional do direito (juiz, advogado ou Promotor), preocupado em resolver questões práticas, deveria estudar filosofia do direito?

Por que um cidadão comum, preocupado 'apenas' em saber o que é certo e o que errado, o que é lícito e ilícito, deveria ocupar-se com a filosofia do direito e suas idéias abstratas?

Aparentemente muito pouco, mas há uma lição que a hermenêutica filosófica ensina que revela a necessidade universal da filosofia do direito: toda experiência humana é, antes de tudo, fundamentalmente uma experiência hermenêutica.
Descobrir o significado último (ou primeiro) da experiência humana é uma tarefa para a filosofia e para a hermenêutica filosófica. No direito, ela vai servir para revelar o sentido da atividade de interpretação das leis por cada um de nós, juristas ou leigos.
O jurista costuma assumir o seu método de interpretação, ora afirmando que apenas aplica as normas, ora que procura na lei fazer Justiça, ora alguma outra teoria, mas a hermenêutica ajuda a problematizada e resolver melhor o problema do próprio sentido da atividade de interpretação e, por sito, a hermenêutica filosófica ocupa lugar de destaque na filosofia do direito.

Em meio a tantas escolas de interpretação, fingir que o problema do significado da interpretação não existe é fugir dele e voltar a ele: no final vamos adotar alguma 'escola' e alguma 'teoria' para a nossa corrente de interpretação, pois como afirma DWORKIN “o voto de qualquer juiz é, em si, uma peça de filosofia do direito, mesmo quando a filosofia está oculta e o argumento visível é dominado por citações e listas de fatos.” (DOWORKIN, Ronald. O Império do Direito. p. 113.)

Portanto, gostemos ou não, a compreensão 'exata' do significado seminal e fundante da interpretação somente pode ser entendido através da hermenêutica filosófica, indispensável para o cidadão e para o político, para o jurista profissional e para o filósofo do direito, para o leigo e para o cientista.

A experiência do intérprete do direito é a experiência de um ser hermenêutico (o homem) que procura responder se uma conduta (própria ou de terceiro) é lícita ou ilícita.
E toda experiência é uma experiência histórica, que se constrói a partir de uma tradição que nos é dada a conhecer e ao mesmo tempo passa a constituir o nosso próprio conhecimento: nós, por exemplo, nos entendemos enquanto brasileiros leitores da língua portuguesa que vivemos no Brasil na primeira década do século XXI.
Para nós a escravidão, a discriminação, o machismo e a tortura são nefastos: uma lei que os legalizasse seria inconstitucional. A compreensão que temos de cada um destes temas se dá como interpretação de pessoas que vivem em determinado local aqui e agora.

Uma pessoa jovem apreende o mundo já carregado destes valores, destes pré-conceitos, transmitidos pelas gerações imediatamente anteriores, e se forma a partir da vivência em um mundo que os significados herdados foram construídos pelas pessoas que as precedeu e que pode até mudar, mas precisa antes conhecer.

Daí porque é mais comum encontrar uma pessoa preconceituosa (no sentido negativo) entre aquelas muito idosas que foram criados em tempos que ainda ecoavam a maldição da escravidão; entre os jovens já é muito raro.

É que parte dos pré-conceitos (dos conceitos prévios a partir dos quais elaboramos os nossos conceitos) vai entrar em conflito com a nova visão de mundo dos mais jovens que vão formar, então, os seus próprios pré-conceitos e transmiti-los para os seus filhos e netos. Mas os novos pré-conceitos já vem impregnados dos pré-conceitos anteriores, já que foram formados a partir deles ou em oposição a eles, tendo sempre o passado como referência.

Por vezes, assumimos a fantasia da isenção científica como se fossemos seres indiferentes ao passado e não humanos com sua história a partir da qual interpretamos o mundo.
História, tradição e interpretação do sujeito são termos intimamente associados na construção dos sentidos vigentes para o mundo, como explicado na linguagem filosófica de "Verdade e Método de Hans George Gadamer:

“Na realidade, não é a história que pertence a nós mas nós é que a ela pertencemos. Muito antes de que nós compreendamos a nós mesmos na reflexão, já estamos nos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. A lente da subjetividade é um espelho deformante. A auto-reflexão do indivíduo não é mais que uma centelha na corrente cerrada da vida histórica. Por isso os preconceitos de um indivíduo são, muito mais que seus juízos, a realidade histórica de seu ser.” (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 415-416.)

A construção de significados para a vida através da linguagem, contudo, parece se construir automaticamente nas lições cotidianas que parecem tornar trivial o significado profundo do processo de aprendizado mediado pela linguagem: só conhecemos através da linguagem cotidianamente transmitida, mas esta experiência não é nada trivial.

O processo de aprendizado é um processo de conquista de familiaridade com os termos e neste processo de conquista as palavras aprendidas trazem consigo toda rede de associações significativas que passam a constituir o próprio entendimento. A utilização de uma palavra é, portanto, a evocação dos sentidos anteriormente construídos no processo de aprendizado da linguagem: toda palavra vem carregada dos significados historicamente construídos e as palavras não são neutras ou indiferentes. Se aprendermos, desde criança, que não se devem falar palavrões, palavras triviais e que em si não tem um sentido pejorativo, adquirem um significado ofensivo e passam a ser evocadas em momentos de raiva, jamais em situações formais: falar um palavrão em uma entrevista para um emprego é um passe para o desemprego; ao se descobrir uma traição é normal.

Na linguagem jurídica, um crime, ainda que de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei 9.099, remete a todo um universo de marginalidade e exclusão e ninguém quer ser processado criminalmente ainda que não corra risco de ser preso, embora se importe menos em sofrer uma ação civil por danos decorrente do mesmo acidente.

No quotidiano do jurista, os significados técnicos e práticos das palavras emergem no processo de interpretação das leis e de análise dos fatos e fingir que esta relação não existe não a faz desaparecer: um juiz que foi vítima de uma grande injustiça não deixará de levar em conta o seu passado na hora da sentença, seja para ser mais ‘duro’ ou mais ‘leve’, mas, bem ou mal, sua experiência aparecerá e o melhor é não escondê-la de si próprio. Pode ser o início de uma má sentença, mas este é outro problema da hermenêutica: a questão da verdade.

No processo de aprendizado as palavras, inclusive as palavras técnicas dos juristas, vem carregadas dos sentidos através da qual se construíram durante a experiência da vida, como ensina GADAMER “Aprender a falar não significa ser introduzido na arte de designar o mundo que nos é familiar e conhecido pelo uso de um instrumento já dado, mas conquistar a familiaridade e o conhecimento do próprio mundo, assim como ele se nos apresenta.” (GADAMER, Hans George. Verdade e Método II, p. 176).

Foi no século XX que a importância da linguagem para a filosofia e para o conhecimento passou a ser reconhecida pela Filosofia a tal ponto que se começou a falar em uma viragem hermenêutica.1

A hermenêutica passou até a servir de modelo interpretativo para o Estado Democrático de Direito: é a nova hermenêutica jurídica, 2 que é resultado da viragem lingüística (linguistic turn), empreendida por HEIDEGGER e GADAMER.3

HEIDEGGER cria uma filosofia ontológica, em sua obra fundamental, Ser e Tempo, em que busca compreender o sentido do ser.4 Esta filosofia do ser permitiu uma nova compreensão do homem,5 da linguagem e da hermenêutica:

“Neste contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou às regras de interpretação textual nem a uma metodologia para as Geistwissenschaften, mas antes à explicitação fonomenológica da própria existência humana. A análise de Heidegger indicou que a “compreensão” e a “interpretação” são modos fundantes da existência humana.”6

GADAMER parte da fenomenologia da existência de HEIDEGGER7 para, a partir da história da arte e das ciências do espírito, reconstruir o significado filosófico da hermenêutica, que acompanha toda existência e toda compreensão humana. O próprio GADAMER explicita suas pretensões no início de sua obra mais importante:

“Deste modo, vamos resumir brevemente, mais uma vez, a intenção e as pretensões do todo da obra: O fato de eu ter-me servido da expressão ‘hermenêutica’, pesando-lhe às costas uma velha tradição, conduziu certamente uma ‘doutrina da arte’ do compreender, como pretendia ser a hermenêutica mais antiga. Não pretendia desenvolver um sistema de regras artificiais, que conseguissem descrever o procedimento metodológico das ciências do espírito, ou até guiá-lo. Minha intenção também não foi investigar os fundamentos teóricos do trabalho das ciências do espírito, a fim de transforma o conhecimento usual em conhecimento prático. Se se dá uma conseqüência prática das investigações apresentadas aqui, isso não ocorre em todo caso, para um ‘engajamento’ não científico, mas para a probidade ‘científica’ de reconhecer, em todo compreender, um engajamento real e efetivo. Minha intenção verdadeira, porém, foi e é uma intenção filosófica: O que se está em questão não é o que nós fazemos, o que nós deveríamos fazer, mas o que, ultrapassando o nosso querer e fazer, nos sobrevém, ou nos acontece.”8

O que GADAMER pretender é superar o modelo dominante das ciências do espírito, inspirado nas ciências naturais,9 para propor uma nova compreensão, uma compreensão hermenêutica das ciências do espírito, que decorre da própria existência humana.

O positivismo representa muito bem este modelo, puro e exato, que a hermenêutica de GADAMER pretender superar para aproximar as ciências do espírito da arte e reconhecer o homem em sua dimensão histórica.

O reconhecimento da historicidade de toda compreensão humana é ponto de partida desta viragem hermenêutica, que GADAMER já identifica em HEIDEGGER:

“A estrutura da temporalidade aparece assim como a determinação ontológica da subjetividade. Porém ela era mais do que isso. A tese de Heidegger era: o próprio ser é tempo. Com isso se rompe todo o subjetivismo da mais recente filosofia – sim, como logo se mostraria, todo o horizonte de questionamentos da metafísica, assumindo no ser como o presente (Anwesende).”10

Na verdade, a história revela-se em toda compreensão. Mesmo quando se busca negá-la, veementemente, ela se revela. De modo oculto ou disfarçado, a história está sempre lá, na compreensão humana, pois:

“Na realidade, não é a história que pertence a nós mas nós é que a ela pertencemos. Muito antes de que nós compreendamos a nós mesmos na reflexão, já estamos nos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. A lente da subjetividade é um espelho deformante. A auto-reflexão do indivíduo não é mais que uma centelha na corrente cerrada da vida histórica. Por isso os preconceitos de um indivíduo são, muito mais que seus juízos, a realidade histórica de seu ser.”11

Neste contexto, a hermenêutica rompe com as premissas da filosofia do sujeito. Os preconceitos12 do sujeito deixam de ser simplesmente os preconceitos de um indivíduo para serem os preconceitos do sujeito em uma tradição, pois como afirma GADAMER:

“O compreender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como um retroceder que penetra em um acontecer da tradição.”13

O medium através do qual a compreensão se realiza é a linguagem: “a linguagem é o médium universal em que se realiza a própria compreensão. A forma de realização da compreensão é a interpretação. (...). Todo compreender é interpretar, e todo interpretar se desenvolve no médium de uma linguagem que pretende deixar falar o objeto e é, ao mesmo tempo, a linguagem própria de seu intérprete.”14

Na linguagem, passado e futuro se revelam na interpretação. O passado, representado pela tradição, que se revela nos preconceitos do interprete. O futuro revela-se na possibilidade de o interprete abandonar uma tradição. A nova interpretação, contudo, surge limitada e condicionada pelos preconceitos que pretende negar, que decorre da própria história efeitual.15

As implicações de uma hermenêutica filosófica revelam-se na hermenêutica jurídica. Neste caso, o objetivo é interpretar a lei para aplicá-la16 a uma situação concreta:

“Também em seu caso, o compreender e interpretar significam conhecer e reconhecer um sentido vigente. O juiz procura corresponder à ‘idéia jurídica’ da lei, intermediando-a com o presente.”17

Na hermenêutica jurídica, não há necessidade de se recorrer à certeza de um método, inapropriadamente transposto das ciências naturais para as ciências sociais, para garantir a segurança do direito.

O que garante a segurança do direito na hermenêutica é o fato de o juiz, apesar de sua posição de aplicador, estar sujeito à lei como os demais cidadão. Uma decisão pode ser reconhecida como arbitrária por outros juristas ou por qualquer outro cidadão submetidos à lei em decorrência de que as pessoas têm uma idéia, ainda que vaga, daquilo a que estão submetidas. Uma interpretação equivocada, fundada em um preconceito que produz um mal entendido evidente, pode ser reconhecida pelos demais intérpretes. No final, estão todas na mesma tradição e uma decisão que renegue esta tradição não pode ser aceita.

Já a correção do direito é garantida pelo ethos inserto na tradição, que legitima as interpretações mais adequadas reveladas na história efeitual. Neste aspecto, está a fragilidade da hermenêutica, que apesar de romper, em boa hora, com o paradigma da filosofia da consciência, acaba negando o papel importante exercido pelo sujeito, que fica preso a uma tradição que não pode ser diferenciada de uma tradição decorrente de um mal entendido.18

Neste sentido, HABERMAS afirma que: “O recurso a um ethos dominante, aprimorado por interpretações, não oferece, é verdade, uma base convincente para a validade das decisões jurídicas, em meio a uma sociedade pluralista, na qual diferentes situações de interesses e de forças religiosas concorrem entre si. O que para um vale como topos comprovado historicamente é, para outro, pura ideologia ou preconceito.”19
Ao contrário do positivismo, e até mesmo do realismo, a hermenêutica, apesar de suas insuficiências continua sendo muito útil para a teoria do direito. Diversas contribuições da hermenêutica (já referidas, como o reconhecimento da historicidade da compreensão, da existência de preconceitos, da tradição, da importância da história efeitual, da relação entre compreensão, interpretação e aplicação) ainda se constituem em uma parte importante da interpretação do direito no Estado Democrático de Direito.20


1 Como se verá no texto, aqui não se trata da hermenêutica tradicional do direito privado e seus métodos interpretativos. Para a compreensão da hermenêutica tradicional ver: FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. 4. ed. Traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade. Coimbra: Armênio Amado, 1987.

2 STRECK sintetiza, sumariamente, as principais idéias da nova hermenêutica: “A partir da viragem linguística e do rompimento com o paradigma metafísico aristótelico-tomista e da filosofia da consciência, a linguagem deixa de ser uma terceira coisa que se interpõe entre um sujeito e um objeto, passando a ser condição de possibilidade. Ao mesmo tempo, o processo de interpretativo deixa de ser reprodutivo (Auslegung) e passa a ser produtivo (Sinngebung). É nesse sentido que Hans-Georg Gadamer vai dizer que o caráter da interpretação é sempre produtivo. Esse aporte produtivo forma parte inexoravelmente do sentido da compreensão. É impossível ao intérprete se colocar em lugar do outro. O acontecer na interpretação ocorre a partir de uma fusão de horizontes (Horizontverschmelzung), porque compreender é sempre o processo de fusão dos supostos horizontes para si mesmos. Sempre interpretamos, pois!E para interpretar, necessitamos compreender. Para compreender, temos que ter uma pré-compreensão (por exemplo, para uma adequada compreensão da Constituição, necessita(ria)mos de uma prévia teoria da Constituição), constituída de estrutura prévia do sentido – que se funda essencialmente em uma posição prévia (Vorhabe), visão prévia (Vorsich) e a concepção prévia (Vorgriff) – que já une todas as partes (textos) do ‘sistema’. É a condição-de-ser-no-mundo que vai determinar o sentido do texto (e não o método de interpretação, p. ex.).” (STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do Direito, p. 169)


3 LUIZ MOREIRA resume o contexto histórico filosófico da viragem hermenêutica: “Acontece que o binômio sujeito/Estado passa, no decorrer dos séculos XIX e XX, a ser posto em xeque. Sob o viés político-jurídico, pela relativização do conceito de propriedade com a Revolução Russa de 1917 e com as políticas e direitos sociais a ela subseqüentes; epistemologicamente, com a crítica à racionalidade instrumental realizada pela Escola de Frankfurt. É nesse ambiente cultural que o século XX assistirá a uma mudança em seu paradigma. A Filosofia da consciência própria à subjetividade será confrontada com três grandes perspectivas, ou seja, a reviravolta hermenêutica de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer; a semiótica-pragmática de Charles Sanders Pierce e a pragmática seja a transcedental de Karl-Otto Apel ou a universal de Jürgen Habermas. Como mudança de paradigma, a reviravolta lingüística (linguistic turn) se constituirá através da tese de que a linguagem é o medium irrecusável de sentido e validade de todo e qualquer saber humano, de tal modo que passa a ser a sede das soluções consensuais de toda e qualquer pretensão de validade.” (MOREIRA, Luiz. Direito e Normatividade. In: MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz (org.). Direito e Legitimidade, p. 148-149). Para a compreensão da viragem lingüística e suas repercussões no direito, inclusive no direito constitucional brasileiro, ver: STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.


4 A principal obra de HEIDEGGER, Ser e Tempo, foi publicada em 1927. Devido ao seu alto grau de complexidade filosófica, que foge aos objetivos da presente pesquisa, referida obra não será estudada diretamente, utilizando-se a referência de outros autores: PALMER, Richard. . Para a leitura do original da obra em português ver: HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 7. ed. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis e Bragança Paulista: Editora Vozes e Universidade São Francisco, 2002 e HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 10. ed. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis e Bragança Paulista: Editora Vozes e Universidade São Francisco, 2002. v. 2.


5 REALE, Giovanni; ANTISIERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias, p. 583- 584: “O homem é aquele ente que se interroga sobre o sentido do ser. O homem não pode se reduzir a simples objeto, isto é, a simples estar-presente. O modo de ser do homem é a existência. A experiência é poder-ser. Mas poder ser quer dizer projetar. Por isso, a existência é essencialmente transcendência, identificada por Heidegger com a superação. Desse modo, para ele, a transcendência não é um entre os muitos possíveis comportamentos do homem, mas sim a sua constituição fundamental: o homem é projeto e as coisas do ‘mundo’ são originariamente utensílios em função do projetar humano. Tudo isso nos introduz na consideração daquela característica fundamental do homem que Heidegger chama de ser-no-mundo.”


6 PALMER, Richard. Hermenêutica, p. 51.


7 A filiação de sua teoria com a ontologia de HEIDEGGER é assumida pelo próprio GADAMER: “A analítica temporal da existência (Dasein) humana, que Heidegger desenvolveu, penso eu, mostrou de maneira convincente que a compreensão não é um modo de ser, entre outros modos de comportamento do sujeito, mas o modo de ser da própria pré-sença (Dasein). O conceito ‘hermenêutico’ foi empregado, aqui, nesse sentido. Ele designa a mobilidade fundamental da pré-sença, a qual perfaz sua finitude e historicidade, e a partir daí abrange o todo de sua experiência de mundo. Que o movimento da compreensão seja abrangente e universal, não é uma arbitrariedade ou uma extrapolação construtiva de um aspecto unilateral, mas está, antes, na natureza da própria coisa.” (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 16-17).


8 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 15, grifei.


9 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 39.


10 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 389, grifei.


11 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 415-416.


12 GADAMER faz a reabilitação dos preconceitos. Ao lado do aspecto negativo de preconceito do iluminismo, identificado com os preconceitos por precipitação, reconhece a existência de preconceitos legítimos, fundados na autoridade, especialmente representada na tradição, que foi reabilitada pelo romantismo alemão: “o reconhecimento da autoridade está sempre ligado à idéia de que o que a autoridade diz não é uma arbitrariedade irracional, mas algo que pode ser interpretado principialmente. Sem dúvida que os preconceitos que implantam encontram encontram-se legitimados pela pessoa. Sua validez requer predisposição para com a pessoa que os representa. (...) existe uma forma de autoridade que foi particularmente defendida pelo romantismo: a tradição. (...) Os costumes são dotados livremente, mas não criados por livre inspiração nem sua validez nela se fundamenta. É isso, precisamente, que denominamos tradição: o fundamento de sua validez.” (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 420-421.)


13 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 435.


14 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 566-567, grifei.


15 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 451: “a consciência histórico-efeitual é um momento da realização da própria compreensão (...) A consciência da história efeitual é em primeiro lugar consciência da situação hermenêutica. No entanto, o tornar-se consciente de uma situação é uma tarefa que em cada caso reveste uma dificuldade própria. O conceito de situação se caracteriza pelo fato de não nos encontrarmos diante dela e, portanto, não podemos ter um saber objetivo dela. Nós estamos nela, já nos encontramos sempre numa situação, cuja iluminação é a nossa tarefa, e esta nunca pode se cumprir por completo. E isso vale também para a situação hermenêutica, isto é, para a situação em que nos encontramos face à tradição que queremos compreender. Também a iluminação dessa situação, isto é, a reflexão da história efeitual não pode ser plenamente realizada, mas essa impossibilidade não é defeito da reflexão, mas encontra-se na essência da mesma do ser histórico que somos. Ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no sabermos.”


16 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 489: “A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua aplicação. A complementação produtiva do direito, que ocorre com isso, está obviamente reservada ao juiz, mas este encontra-se por sua vez sujeito à lei, exatamente como qualquer outro membro da comunidade.”


17 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 487.


18 GADAMER já antevê este problema ao tratar a distinção entre preconceitos verdadeiros de preconceitos falsos: “Nada além do que essa distância do tempo torna possível resolver a verdadeira questão crítica da hermenêutica, ou seja, distinguir os verdadeiros preconceitos, sob os quais compreendemos, dos falsos preconceitos que produzem os mal entendidos. (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, p. 447.)


19 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume I, p. 248.


20 A dívida da teoria de DWORKIN para com a hermenêutica, especialmente a hermenêutica de GADAMER é lembrada, várias vezes pelo próprio jurista anglo-saxão: (a) “Nas páginas seguintes avalio o pressuposto de que a interpretação criativa deve ser interpretação conversacional, sobretudo ao discutir uma idéia familiar aos teóricos da literatura: de que interpretar uma obra literária significa recaptular as intensões de seu autor. Mas esse pressuposto tem uma base mais geral na literatura filosófica da interpretação. (...)” (DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 62-63, n. 2); (b) “Precisamos lembrar uma observação crucial de Gadamer, de que a interpretação deve pôr em prática uma intenção.” ( DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 67); (c) “Recorro mais uma vez a Gadamer, que acerta em cheio ao apresentar a interpretação como algo que reconhece as imposições da história ao mesmo tempo que luta contra elas.”( DWORKIN, Ronald. O Império do Direito, p. 75);