segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O caso das algemas


Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) aniquilou a possibilidade de se aferir os antecedentes criminais de um candidato que concorra a eleição a cargos públicos o Tribunal decidiu que a utilização de algemas por presos é excepcional e precisa ser justificada.

Por 10x0, os juízes do STF anularam o sentença que condenou o autor de um homicídio que permanecera algemado durante o julgamento pelo Tribunal do Júri ao considerar que o uso da algemas era lesivo a sua dignidade e poderia influenciar no resultado do julgamento.

A decisão não chega a ser novidade: a Primeira Turma do STF, em 22 de agosto de 2006, no HC 89.492, já havia decididio que: "O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade."

Antes o STF, através da 2a Turma, já havia decidido, no julgamento do HC 71195-SP, relator Francisco Rezek, que: "UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS NO JULGAMENTO. MEDIDA JUSTIFICADA. I - No concurso material de crimes considera-se, para efeito de protesto por novo júri, cada uma das penas e não sua soma. II - O uso de algemas durante o julgamento não constitui constrangimento ilegal se essencial a ordem dos trabalhos e a segurança dos presentes. Habeas corpus indeferido."

O que apenas ratificou a jurisprudência que vem desde a época da ditatuda, pois, conforme decidido pelo STF, no HC 54645, de 1978, relator Cordeiro Guerra: NÃO CONSTITUI CONSTRANGIMENTO ILEGAL O USO DE ALGEMAS POR PARTE DO ACUSADO, DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, SE NECESSARIO A ORDEM DOS TRABALHOS E A SEGURANÇA TESTEMUNHAS E COMO MEIO DE PREVENIR A FUGA DO PRESO."

Mas agora é para valer: o STF editou uma súmula vinculante estabelecendo que: '“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”

Ao exigir que a necessidade de algemar os presos precise ser justificada por escrito, o Supremo Tribunal Federal parece mirar no alvo errado. É evidente que o uso abusivo das algemas deve ser evitado e é recomendável e razoável que somente ocorra "em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros". Embora o uso de algemas por pessoas presas não deva ser considerado tão excepcional assim, pois, afinal, a pessoa está presa por alguma razão: se 20 % dos presos vierem a ser alegamdos por imperiosa necessidade não se pode falar propriamente em uma exceção.

Mas o maior o problema é saber quando algemar: quem fica com a bronca é a polícia. E se o cara, com apenas 1 (um) processo por homicídio, como no caso julgado pelo STF, digamos, resolver reagir: o juiz e o policial devem assumir o risco e liberar as algemas sob pena de nulidade da prisão ou do ato processual e responsabilização civil, criminal e administrativa?

Quem conhece a criminalidade brasileira de perto sabe o quanto vai ser difícil e perigoso manter esta decisão: eu mesmo já fiz um Júri de um preso sem algema que durante o julgamento escondia uma navalha dentro da sandália. A juíza do caso anulado, filha do juiz-MInistro Peluso, parecia não se sentir segura para julgar um homicida sem algemas: o STF disse que bastava convocar mais policiais, mas quem trabalha nos rincões do Brasil bem sabe que não é tão fácil assim.

A Constituição não autoriza que um preso possa ser humilhado, pois a própria prisão já é uma medida de constrição extrema e mais do que suficiente: tanto que a grande maioria dos juízes já ouvia a maioria dos presos sem algemá-los, embora eles costumassem ser conduzidos ao fórum algemados. Era necessário? Difícil dizer...

O risco da nova decisão do STF é que ela vai transferir todo ônus para a polícia e para os juízes de primeiro grau, especialmente os que atuam na 'clínica geral' da criminalidade: quando se pode saber que um simples autor de um furto, roubo ou de um homicídio nutre um ódio assassino pela autoridade ou por terceiro ou uma vontade irresistível de fugir. Difícil saber, exceto se o 'bandido' estiver na lista dos magnatas da criminalidade política ou finaneira. A decisão, portanto, parece que vai ser para banqueiro ver.

Para quem acha que o STF acertou o alvo certo coloquei uma foto do C.E.O. (Presidente) da Enron (a gigante bilionária falida do setor de energia) preso e algemado; quem preferir celebridades, a foto de Michael Jackson falar por si: http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/americas/3227346.stm

Nos EUA, o Judiciário não parece preocupado com o abusivo uso de algemas pela polícia contra grandes figurões e uma pessoa pobre injustamente algemada até tentou indenização do Estado pelo uso desnecessário de algemas: perdeu na Suprema Corte (Caso Muehler v. Mena, em 2005, http://www.oyez.org/cases/2000-2009/2004/2004_03_1423/). Será que isso significa que o nosso Judiciário está mais preocupado com a cidadania que o deles?

Temo que não: no Brasil a responsabilização ainda incipiente de agentes públicos e privados parece ainda engatinhar e um empurrãozinho do Supremo só viria a ajudar, mas parece que neste caso o STF está mais preocupado em manter Daniel Dantas, Celso Pitas e Cia. Ltda. sem algemas do que em impedí-los de ser candidatos.

No Brasil, até hoje não foram as ações contra os corruptos milionários que colocaram a democracia em risco.

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