quarta-feira, 7 de maio de 2008

Vingança: um sentimento natural

A respeitada revista literária New Yorker (http://www.newyorker.com/) acaba de revelar mais um segredo: a vingança é um sentimento natural!
Jarred Diamond, ganhador do Pulizer, principal prêmio literário dos EUA, por 'Guns, Germs and Steel" ('Armas, Germes e Aço) e autor de 'Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed' (Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou sucesso), é quem conta a história.
Nas montanhas da Nova Guine, ainda é assim que as coisas se resolvem: dente por dente, olho por olho. Analisando o comportamento de homens em sociedades tribais contemporâneas, Diamond identifica, nestes grupos, que o desejo de vingança busca garantir justiça e satisfação à família vingadora.
Revelar a existência de impulsos irascíveis em sociedades tribais não é nada novo, mas Diamond surpreende ao revelar que o desejo de vingança de Daniel e sua hostilidade à clãs rivais não está tão longe dos nossos hábitos mentais quanto nós gostaríamos de pensar ("Daniel’s thirst for vengeance and his hostility to rival clans are really not so far from our own habits of mind as we might like to think").
As gangues urbanas dos EUA, as guerras tribais na África, como cita Diamond, e o crescimento assustador da violência no Brasil denunciam a existência destes desejos inconfessáveis que preferiríamos não possuir, mas que continuam lá, no nosso íntimo. Temos uma inclinação natural para a vingança: quem já foi 'perseguido' por alguém bem sabe... Mas a satisfação do 'instinto' de vingança tem tantas desvantagens para o homem, moderno e antigo, que aprendemos a exercer o auto-controle e a procurarmos outros meios de resolver os nossos problemas.
O Estado, ao assumir o monopólio de dizer o Direito e a Justiça, passou a resolver os conflitos por processos institucionais, que, na modernidade, pressupõe igualdade das partes e garantias processuais. Acontece que o Estado hoje é tão universal que esquecemos quão recente é esta inovação ('State government is now so nearly universal around the globe that we forget how recent an innovation it is; the first states are thought to have arisen only about fifty-five hundred years ago').
Aprendemos a confiar na Justiça; o desejo, porém, continua se inclinando para a vingança pessoal. Assim, quando acontece um crime trivial as famílias querem justiça, que, para elas, quer dizer, vingança e nenhuma pena basta. Tratando-se de um crime bárbaro, mesmo de pessoa desconhecida, a comoção coletiva leva indivíduos a manifestarem este instinto tribal e os linchamentos, realizados ou imaginados, estão aí para nos lembrar disso. O assassinato da menina Isabela pelo pai e pela madrasta, em abril de 2008, que levou o Brasil à comoção por semanas é outro exemplo deste desejo 'inato'.
Mas até as tribos da Nova Guine aprenderam, depois de 3 (três) anos, 33 (trinta e três) assassinatos e 300 (trezentos) sacrifícios de porcos, que a vingança pessoal, por mais doce que possa parecer, tem um sabor muito amargo.
O treinamento, ao longo dos últimos 55 (cinqüenta e cinco) séculos, nos ensinou a procurar outros meios alternativos à vingança: o Estado, o esporte, a luta. Mas o desejo de vingança encontra-se escondido em nossas mentes e se não tivermos cuidado poderemos exorcizar no outro um desejo que é, afinal de contas, 'natural'. Quem quiser conhecer a história toda, leia o texto integral de Diamond na New Yorker: http://www.newyorker.com/reporting/2008/04/21/080421fa_fact_diamond

Na Praia


Turner, Tempestade de gelo, snowstorm, na Tate

No recente romance "Na Praia", de Ian McEwann, o que se vê não é a tranqüilidade paradisíaca da contemplação do mar que se perde no infinito. Além da paisagem, o que se revela é uma tempestade de sentimentos que deveriam levar ao êxtase mas conduzem ao desespero e à frustração.

Não é por falta de amor, nem de sonhos, que o casal, Edward e Florence, separa-se na lua-de-mel. O desejo ardente (de possuir para Edward e de ser aceita para Florence) acompanhado do (bem intencionado) medo de frustrar o outro é que aniquilam o amor. Os bons sentimentos revelam sentimentos inconciliáveis e acabam tragados pelos fantasmas inconfessáveis, que habitam o jovem casal.

São as expectativas excessivas, verdadeiras ilusões, que conduzem ao fracasso definitivo a vida de um casal que nem dá a chance de iniciar a sua história de amor.

Mas não será este um paradoxo da vida moderna: a esperança no êxtase conduz à desilusão. E, o que parecia mais irrelevante, perdido na rotina, como um café quente com tapioca no fim da tarde na casa da avó, é o mais marcante: marca a espera interminável pela volta da ilusão perdida. Frustrados, procuramos uma redenção que sabemos perdida em um passado idílico.

MaEwan, no seu erótico romance sobre a vida de um casal nos castos anos 1960 ingleses, revela um problema que a revolução sexual ainda não conseguiu resolver: a busca pelo êxtase (no sexo e na vida) não serve nem de consolo para as nossas fraquezas. A busca incessante pelo prazer do homem moderno acaba tornando o prazer mais difícil! Do mesmo modo que a busca constante por informação, nos portais e blogs do mundo, acaba por nos tornar menos informados: sabemos de muitas coisas inúteis e refletimos muito pouco sobre o que é importante, pois, afinal, não temos tempo mesmo... Mesmo assim, o que queremos, é mais prazer e mais informação. E menos reflexão!

Nesta tormenta do dia que passa só resta a vida, com seus devaneios, e a arte.

Bem vindos aos meus despretenciosos devaneios.