quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Shakespeare for ever


Não vi ainda o Hamlet, com o ator Wagner Moura, atualmente em cartaz em São Paulo, mas tive a chance (quem quiser tem) de ver o Hamlet de Kenneth Branagh e de ler o livro, várias vezes. Qual o segredo do sucesso tão duradouro do Princípio da Dinamarca e seu Reino que tem algo de podre?
O seu segredo é Shakespeare.

HAROLD BLOOM diz que Shakespeare é “o limite máximo da realização humana”. MACHADO DE ASSIS, grande leitor de Shakespeare, diz que o mundo deveria falar uma nova Língua: o mundo deveria falar Shakespeare, pois “um dia, quando já não houver império britânico nem república norte-americana, haverá Shakespeare; quando não se falar inglês, falar-se-á Shakespeare.”

Shakespeare acompanha-me desde a infância e faz parte das minhas primeiras leituras: Romeu e Julieta, Sonhos de Uma Noite de Verão e Hamlet foram alguns dos primeiros livros que li, mas, naquela época, não entendi muito bem o sentido do amor de Romeu e Julieta, nem o comportamento tresloucado do Príncipe.

Para mim, em meus sonhos infanto-juvenis, um amor improvável eternizado pela morte era um despropósito, um aviso direto demais sobre as dificuldades da vida em geral e da vida amorosa em especial; Hamlet, com seus devaneios e desvarios, parecia-me um personagem desesperado e perdido que, com suas atitudes inconseqüentes, causaria a tragédia injusta e injustificada da morte de seu futuro sogro, de sua musa, de sua mãe, de seu futuro cunhado para, só ao final, vingar a morte do assassino de seu pai. Qual o sentido de tanto sofrimento me perguntava insistentemente depois de Hamlet? E ainda me pergunto hoje...

Shakespeare parecia tergiversar ao invés de ir direto ao ponto que me interessava então: a realização do amor idílico e a execução da vingança necessária contra o usurpador do trono. Era um pobre leitor.

Aos poucos, aprendi que havia mais coisas entre o e céu e a terra, revelados, nos livros de Shakespeare, do que imaginava minha filosofia: eu não estava pronto e “estar preparado é tudo” (HAMLET). BLOOM, MACHADO, GOETHE e quase todos os grandes escritos tinham razão: Shakespeare nos revela um novo mundo; azar de quem não estiver preparado para ler e entender Shakespeare.

A vida não se esgota em seu universo quase infinito de limitadas possibilidades e Shakespeare trouxe para a arte toda complexidade da vida. Em sua concisão quase mágica Shakespeare parece conseguir revelar em poucas horas o que nos toma anos de experiência de vida para compreender.

Shakespeare, mais do que qualquer outro escritor, tem consciência plena do papel da arte: não é à toa que o personagem Horácio (de Horatio, o que é evidente) é o personagem responsável pela revelação definitiva do assassinato do Rei da Dinamarca e pela formação da nova Dinamarca após a tragédia final. Na vida, de tudo, só resta a arte e a verdade: “o resto é silêncio” (HAMELT).

E é bastante significativo, como, em Hamlet, Shakespeare cria uma peça dentro da peça para revelar a sua, a nossa, verdade. Quando Hamlet ensina aos atores como representar a peça que encenará ao Rei (“Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, com o cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, exibir um espelho à natureza mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua própria imagem e a cada época e geração sua forma e efígie) não é a nós,atores da própria vida, que ele está ensinando?

Se o mundo conhecesse melhor Shakespeare (na época de Hitler ou Stálin, por exemplo) as tragédias que importa evitar talvez pudessem ter sido impedidas, pois Polônio já nos alertava que:“ A loucura dos grandes deve ser vigiada”. Será?

Acho pouco provável. Certo é que os heróis e reis do mundo real morrem: César e Alexandre pereceram, mas Shakespeare fez de César um personagem e sobrevive a todos eles. Com ou sem Shakespeare o homem continuará com suas contradições e ambigüidades, sempre com uma grande dose de generosidade e, muitas vezes, com uma carga ainda maior de mesquinharia e sordidez. Afinal, tudo isso é humano, mas se os hábitos importam tanto a ponto de fazerem ele próprio a virtude(“Costume, esse mostro que devora qualquer sentimento; Demônio do hábito, nisso, porém, é um anjo; Pois também empresta hábito,ou libré; Às nossas ações justas e nobres; E que elas vestem prazenteiras. Abstenha-se esta noite. Isto tornará mais fácil a próxima abstinência. A seguinte inda mais fácil. O costume quase pode mudar o timbre da natureza. Dominando o demônio, ou expulsando-o. ): ler Shakespeare é um dos hábitos que vale a pena cultivar.


No final, só há dois tipos de pessoa: as que gostam de Shakespeare e as de mau gosto

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