quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O paraíso de Cézanne


Hemingway disse que a literatura deveria ser como um quadro de Cézanne. Depois de ler “O paraíso de Cézanne” de Philippe Sollers, em tradução de Ferreira Gullar, é fácil entender o porquê. Mas não se engane: O paraíso de Cézanne não é exatamente um passeio pelo jardim do éden; o livro, como os quadros de Cézanne, é “apenas” uma germinação.

Cézanne era um Artista comprometido com sua arte e sabia que o falso acabado era o inimigo a ser combatido, pois “Acabar é a obsessão humana. Concluir, captar, avaliar, permutar: qualquer outra coisa menos estar ali, não estando em parte alguma.”“’O acabado desperta a admiração dos imbecis’, escreveu Cézanne à mãe, depois de 1874. ‘Não devo procurar completar a não ser pelo prazer de fazer mais verdadeiro e mais correto.”

Da Vinci, como Cézanne, tinha uma relação conflituosa com a necessidade de finalizar tudo, e não completou a maioria dos seus projetos. E precisava?

Cézanne, como Da Vinci, sabia que um Artista é antes de tudo uma pessoa com um profundo compromisso com sua Arte; um artista precisa ter consciência de que “a pintura não é uma imagem” do mesmo modo que um escritor tem que saber a literatura não é um conjunto de frases; Juntar várias palavras não é escrever é bater à máquina (Capotte).

Tão importante quanto as figuras e as cores utilizadas na pintura são as cores e a imagens que não são utilizadas: “Ali onde a pincelada não vem por si mesma, deixa-se um branco.’E estes brancos, em minhas mãos, em meu retrato?, pergunta Vollard. ‘Irei ver esta tarde no Louvre’, responde Cézanne. Não se bota uma cor ‘por botar’. Do contrário, seremos obrigado em seguida a refazer tudo, compreende...”

Pode ser surpreendente que a arte seja feita também de ausências, de cores, de imagens ou de detalhes, e os quadros de Cézanne sempre evocam esta ausência, esta indefinibilidade da vida: tudo está lá, mas tudo parece esvair-se, perder-se, como algo evanescente, fugidio e, ao mesmo tempo, tão claro.
Em Cézanne, a representação de uma simples maçã nos faz recordar a presença da fruta que parecíamos nem lembrar que existia mas, em seus quadros, a natureza morta surge tão viva que sua ausência não pode mais deixar de ser lembrada.

Para gostar (verdadeiramente) de um quadro, diz Cézanne, é preciso ter bebido, envolvendo-se na ciência da preparação para conhecer o vigor do fluido que revela o que está em baixo. Quem gosta de algo porque está na moda não gosta de nada, pois o gosto se discute, se aprende e se apura e ler um quadro (ou um grande livro) é ser capaz de enxergar além da imagem e além das palavras.
É bastante interessante que a arte seja feita também de lacunas e vazios e é paradoxal que a literatura seja feita mais de silêncios do que de palavras, mas é a própria vida que é feita destas contradições e só nos resta, como Cézanne, “Continuar a buscar a expressão destas sensações que trazemos conosco ao nascer. Se morro, tudo acabará, mas não importa.”

Cézanne sabia que na vida há poucas opções: ou escolhemos a assimilação e a reprodução inautêntica de tudo que se divulga ou nos isolamos no nosso próprio universo para produzir a própria arte, pois “ Se o isolamento tempera os fortes, atua como obstáculo para os inseguros.”
Não é nada fácil ser livre, mas pelo que mais pode valer à pena viver?

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