quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O que somos?


Gauguin, Museum of Fine Arts, Boston

“De onde nós viemos? O que somos? Para onde vamos?” Todo mundo já se perguntou sobre o sentido da nossa vida e sobre a razão da nossa existência. A religião, desde que o mundo existe, é o território onde se apresentam as respostas para este problema. Hoje, a filosofia, a arte, especialmente a literatura, e até a ciência ajudam o homem moderno a procurar outras respostas.

Para ateus ou religiosos, católicos, protestantes ou espíritas, admitir a existência de Deus não resolve estas questões definitivamente tout court. Com Deus ou sem Ele, precisamos encontrar um sentido próprio para a vida que seja mais do que um consolo para os momentos de fraqueza e dor. Mesmo no sucesso, várias pessoas, às vezes bem cedo, outras mais tarde, descobrem, para perplexidade dos outros, que a vida estava em outro lugar: o executivo bem sucedido larga a empresa para cuidar de uma pousada na praia, o profissional liberal padrão entra em depressão, o pai exemplar larga tudo por nada. E, pior, estas ações 'sem sentido' estão se tornando cada dia mais comuns.

Para todas estas situações exigimos um motivo. O problema é que as razões que conduzem a cada uma destas decisões é complexa demais para ser simplificada em um ou em um par de motivos; daí a superficialidade e insuficiência dos livros de auto-ajuda ao apresentarem fórmulas para uma vida feliz.

E a razão é mais simples do que parece à nossa filosofia: não existe apenas 1 (um) modelo para a felicidade, e o papel de cada um é construir o caminho para a própria felicidade. Cabe a cada indíviduo fazer as melhores escolhas para si mesmo e descobrir o próprio destino.

O problema é que a melhor decisão para um será a pior para outro: um artista boêmio que vier a seguir a carreira de médico sonhada pelo pai será um profissional frustrado e provavelmente medíocre; o atleta mediano que foi treinado pelo pai para ser e se considera o novo Pelé ficará revoltado ao ser colocado na reserva de um time da segundona: para ele a culpa é sempre do técnico. Será?

Para ser feliz temos que, antes de tudo e sempre, descobrir o próprio caminho, conhecer o próprio desejo e saber diferenciar quais são os nossos sonhos e quais são as manifestações da projeção e da frustração dos outros que nos acostamos a tomar como nossa, mas que não são.

O filho modelo, aluno exemplar, aprovado em primeiro lugar no vestibular, perde o intersse pela faculdade no segundo semestre: será que é porque ele é um vagabundo ou porque talvez o desejo dele fosse outro? Uma pessoa que aos 40 anos descobre o que realmente gosta só perdeu tempo na vida até então?

Seria melhor que nosso talento fosse aliado incondicional do nosso desejo e da nossa percepção: o menino prodígio descobre já na infância aquilo que o realiza e se sente plenamente feliz brincando de treinar música ou de desenhar figuras para a qual todas reconhecem o seu talento. Mas muitos poucos nascem com a genialidade quase sobrenatural de um Mozart ou de um Picasso cuja inegável virtude musical e artística é manifestamente perceptível, sem prescindir de intenso treinamento para ser plena.

O problema é que mesmo que reconheçamos uma atividade profissional que nos realize e ainda forneca rendimentos suficientes para viver de acordo com o que esperamos (o que pode variar, em todo caso, de muito pouco para demais) não há certeza de que encontraremos a Felicidade.

Algumas vezes descobrir o próprio caminho pode ser um processo com opções tão difíceis e dolorosas que qualquer decisão será trágica, mas a pior escolha é não escolher, ficar dividido entre o que desejamos para nós e a vontade de agradar aos outros, de alcançar reconhecimento, muitas vezes travestida de boas intenções: queria mais Poder para ajudar aos outros ou gostaria de ter mais dinheiro para fazer mais caridade. Enquanto o dinheiro e o Poder desejados não vem ficamos aguardando a hora certa para fazer um bom uso deles até porque se não tenho o suficiente é por não ser ainda a hora de dividir; esta hora pode nunca chegar e a vida é curta demais para ser desperdiçada na tentativa de conciliar o que é inconciliável.
E se não tivermos coragem para tomar a nossa decisão, certa ou errada, difícil saber antes de tomá-las, ficaremos sempre no meio da caminho, indecisos, dividios, tentando satisfazer Gregos e Troianos, mas traindo a todos, inclusive quem parecia impossível trair, nós mesmo.

No fim, de todos os caminhos, somente um faz sentido: encontrar tudo que nós é próprio e viver de acordo com aquilo em que acreditamos. Reconhecendo isso, podemos lutar e torcer para que tudo dê certo e para que sejamos felizes, mas se tudo der errado (como aconteceu com Van Gohg, por exemplo), ainda assim, só há uma luta que vale a pena na vida: a luta pelos próprios sonhos.

Mas reconhecer que o sentido da vida é lutar pelos próprios sonhos não torna tudo mais fácil e pode até tornar tudo muito difícil pois, mesmo que nos sacrifiquemos intensamente pelos próprios sonhos, não há caminho garantido para a felicidade, como bem demonstra a vida de Jean Paul Gauguin: profissional francês bem sucedido com mulher e filhos, depois de muitas dúvidas, Gauguin largou tudo para encontrar sua arte sozinho no distante Taiti.

Gauguin foi feliz? Não sei, provavelmente não, mas a arte única, emanação direta e profunda de seu espírito, que produziu não deixa dúvidas: Gauguin encontrou o seu caminho.

Quem tiver dúvidas, veja o quadro que o próprio Gauguin qualificou como uma obra prima e intitulou “De onde nós viemos? O que somos? Para onde vamos?” no acervo permanente do Museum of Fine Arts, em Boston, vizinho à Universidade de Harvard e ao MIT.

As trezes pessoas e os seis animais do quadro compõem uma selva única da vida, um verdadeiro festival de cores e mistérios, na qual cada um deve encontrar o próprio destino; Gauguin tem seus quadros; eu tenho meus devaneios.

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