quinta-feira, 26 de março de 2009

O papel do direito na sociedade complexa

II – O papel do Direito no Estado Democrático de Direito


“Nas próprias democracias estabelecidas, as instituições existentes da liberdade não são mais inatacáveis, mesmo que a democracia continue sendo o ideal das populações. Suponho, todavia, que a inquietação possui uma razão mais profunda: ela deriva do pressentimento de que, numa época inteiramente secularizada, não se pode ter, nem manter um Estado de direito sem democracia radical. A presente pesquisa pretende transformar esse pressentimento em um saber explícito. Finalmente, convêm ter em mente que os sujeitos jurídicos privados não podem chegar ao gozo das mesmas liberdade subjetivas se eles mesmos – no exercício comum de sua autonomia política, não tiverem clareza sobre interesses e padrões justificados e não chegarem a um consenso sobre aspectos relevantes, sob os quais o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente deve ser tratado como diferente.”[1]


1 Direito e Democracia: a reconciliação do Direito, da Justiça e da Democracia

Qual o papel do direito no contexto de profundas divisões que marca as democracias plurais contemporâneas?[2]

A resposta a esta pergunta somente pode ser obtida em uma perspectiva mais ampla, em que se estude a relação entre direito, política, moral, justiça e democracia. ANDREW ARATO e MICHEL ROSENFELD resumem algumas das propostas mais relevantes:[3]
1) em um extremo, encontra-se o Critical Legal Studies movement, “que tende a colapsar o direito em política e que considera as normas jurídicas suficientemente porosas ou contraditórias para cumprir os objetivos daqueles que detêm o maior poder político”[4];
2) no outro extremo, situam-se aqueles “que concebem o direito como independente e essencialmente separável da ética e da política. O mais proeminente advogado desta posição é Niklas Luhmann cuja autopoiese das normas jurídicas considera o direito como um sistema auto-referencial que permanece normativamente fechado”[5];

3) “Um outro modo de lhe dar com a problemática do nexo entre direito, ética e política é através da adaptação da dicotomia Kantiana entre o direito e o bom de modo a subsumir a estrutura básica do sistema jurídico – ou, pelo menos, do sustentáculo da ordem constitucional. O primeiro e mais influente esforço sistemático nesta direção é obviamente a filosofia política de John Rawls como está elaborada em sua Teoria da Justiça, e a mais próxima versão no campo da jurisprudência é encontrado na teoria do direito e da Constituição de Ronald Dworkin. Ambos Rawls e Dworkin tentam estabelecer a unidade normativa e a coesão da política sobre o campo contestado de concepções do bom, mas ambos são forçados a fazer sacrifícios tão grandes ao longo do caminho que compromete seriamente a força de suas últimas conclusões”[6]

4) “o projeto filosófico e jurisprudencial de Habermas em Entre Faticidade e Validade pode ser compreendido como uma tentativa de integração do que é mais atraente nas teorias como as de Rawls, Dworkin e Michlemann sem tombar preso as suas respectivas limitações.”[7]

O modelo da ética do discurso, proposto por HABERMAS, pretende responder a indagação sobre a posição do direito no contexto de profundas divisões que marca as democracias plurais contemporâneas, superando as limitações e deficiências dos outros modelos e conciliando a relação entre direito, política e moral.

Uma teoria abrangente, como a que é exposta em Direito e Democracia: entre facticidade e validade, é necessária caso se queira conciliar direito, política, moral e democracia de modo a superar modelos que submetam o direito a sistemas dirigidos pelo poder administrativo ou pelo dinheiro sem recair em modelos que se situam no extremo oposto por se ampararem em propostas normativas que abandonam o contato com a realidade contemporânea.

A compreensão da centralidade do direito na teoria do discurso impõe a necessidade de elaboração de “um princípio reconstrutivo capaz de assumir duas perspectivas diferentes: a da teoria sociológica e da teoria da justiça”[8].

Um princípio reconstrutivo deve busca estabelecer um novo modelo que compatibilize a perspectiva normativa, fundada em uma teoria da justiça, com a perspectiva sociológica, que não pode olvidar o desencantamento das ciências sociais pelo direito.

1.1 A transição do pensamento pré-moderno para o pensamento pós-metafísico

A legitimidade do direito na sociedade pré-moderna possuía um fundamento religioso ou cosmológico, que conferia unidade de sentido à ordem jurídica. Neste contexto, havia pouco espaço para discussão sobre o conteúdo das normas, que seriam legitimas na medida em que fundadas numa ordem jurídica religiosa ou cosmológica.

A modernidade inaugura uma nova fase para a auto-compreensão do homem, de suas normas e de suas instituições. O colapso da crença inabalável na autoridade religiosa, representada pela secularização, tornou necessária a criação de um novo fundamento para a legitimidade do direito, que deixou de possuir um fundamento superior e incontestável.

O direito passa a fundar-se no próprio homem, que passa a ter consciência do seu poder de fazer escolhas: escolher a religião, escolher as leis, escolher os legisladores. Enfim, escolher a sua própria historia. A crença no homem é representada pela crença no racionalismo, inerente ao próprio homem.

O homem é o sujeito dotado de racionalidade. E a racionalidade torna-se infalível a partir do momento de que deixa de ser obscurecida pelos pré-conceitos metafísicos da sociedade pré-moderna.

O reconhecimento de direitos naturais do homem decorre desta mudança de paradigma, que marca a transição do medievo para a sociedade moderna. Os direitos do homem são direitos do homem enquanto ser racional.

Neste novo contexto social, o espírito moderno pode ser compreendido tanto no aspecto negativo, que renega o modelo cosmológico aristotélico da pré-modernidade, como no aspecto positivo, traduzido em “um novo mundo de conhecimento sobre a base da certeza de uma razão individual.”[9]

A Declaração dos Direitos do Homem, ao prescrever que somente teria Constituição a sociedade que tivesse direitos humanos assegurados e separação de poderes,[10] compartilhava esta auto-compreensão normativa, que mantinha coesa e unida a sociedade pós-metafísica, que substituiu o fundamento cosmológico e religioso pela crença superior no homem e em seu direito natural.[11]


1.2 O desencantamento do direito por obras das ciências sociais

Desde Hobbes, “o profeta por excelência do espírito jurídico moderno”,[12] o direito serve como meio de mediação dos conflitos sociais. Em Hobbes, o direito garante a paz social por intermédio de um contrato social pactuado livremente por indivíduos egoístas orientados pela satisfação do próprio interesse que abdicam de sua liberdade plena no estado de natureza por uma liberdade limitada e protegida pelo Estado, que se legitima a partir da preservação da vida e da segurança dos indivíduos, negada pelo estado de natureza de guerra de todos contra todos.[13]

No início da modernidade, o direito, embora tenha deixado de ter um fundamento evidente de ordem cosmológica ou teológica, permanece cumprindo a função de mediação dos conflitos sociais, situação que perdura até a filosofia idealista de HEGEL. Na síntese de HABERMAS:

“De Hobbes até Hegel, a categoria do direito foi utilizada como uma chave capaz de mediar todas as relações sociais. As figuras do pensamento jurídico pareciam suficientes para desenvolver o modelo de legitimação de uma sociedade bem ordenada. A sociedade correta era a que estava organizada de acordo com um programa jurídico.”[14]

Com a evolução do liberalismo, a sociedade burguesa deixa de considerar as intenções dos indivíduos e passa a agir segundo a sua própria dinâmica capitalista, fundada em imperativos econômicos e orientada para a obtenção do lucro. Os indivíduos deixam de se associar, com consciência e vontade, para preservação de sua liberdade e o direito perde a sua função de centralidade.

Nesta guinada, a economia passa a ocupar o lugar de centralidade antes destinado ao direito, que agora se torna periférico em um modelo orientado pelas relações de produção. Em MARX, apesar da inversão dos pólos, o conceito clássico de totalidade é preservado.[15]

A crescente complexidade e a diferenciação progressiva da sociedade trazem em seu bojo o reconhecimento da existência de diversos sistemas autônomos que perdem um eixo central e o direito e a economia passam a ser sistemas ao lado de outros sistemas autônomos como a família, a ciência e o poder administrativo.[16]

O direito passa a ser compreendido como apenas mais um sistema, com a função específica de estabilizar expectativas de comportamento, e que, neste contexto, perde a sua centralidade e sua capacidade de influenciar os outros sistemas.

A teoria dos sistemas, notadamente no modelo de LUHMANN, representa o último passo rumo à descrença e ao desencantamento das ciências sociais com o direito, que perde, na perspectiva sociológica, a posição de centralidade e abandona a pretensão de coordenar as relações sociais.[17]


1.3 O direito racional e a impotência do dever ser

A partir dos anos setenta (1970), como resposta ao desencantamento das ciências sociais pelo direito, ocorre o advento de novas teorias normativas que buscam resgatar o racionalismo do direito. Estas novas teorias, cujo exemplo mais bem acabado é a Teoria da Justiça de RAWLS, pretendem enfrentar o desencantamento das ciências sociais apresentando um modelo capaz de recuperar o projeto de realização racional de uma sociedade justa.[18]

O retorno ao direito racional em uma sociedade ‘bem ordenada’ sob as modernas condições de vida[19], num sistema que possibilita a cooperação justa entre parceiros do direito, iguais e livre,[20] é garantido por instituições que se pressupõem justas, nos seguintes termos:

“A auto-estabilização da sociedade justa não se apóia, pois, numa coerção do direito e, sim, na força socializadora de uma vida sob instituições jurídicas justas; tal vida aperfeiçoa e, ao mesmo tempo, estabiliza as disposições do cidadão para a justiça”[21]

Ao partir de um modelo idealista, que pressupõe a aceitação pelos cidadãos de um direito livre e igual garantido por uma justiça imparcial que somente se dá se as instituições forem justas, a teoria da justiça negligencia o desencatamento sociológico do direito.


1.4 A função social integradora do direito

As análises da filosofia do direito e da sociologia do direito, segundo HABERMAS, conduziram à seguinte situação: 1) a filosofia da justiça negligencia a dimensão empírica e a dimensão institucional do direito; 2) a sociologia tende a negligenciar a dimensão simbólica.

MAX WEBER, em sua sociologia do direito, apresenta uma consistente proposta de reconstrução racional da legitimidade do direito no Estado Moderno, mas por conferir excessiva ênfase à dominação legal acaba por negligenciar a função social integradora do direito.[22]

Neste contexto, somente será satisfatória uma teoria abrangente, capaz de garantir, simultaneamente, a dimensão empírica, simbólica e institucional do direito, e que ainda seja capaz de cumprir a função social integradora do direito de modo a garantir que:

“o direito continue insistindo que os sistemas dirigidos pelo dinheiro e pelo poder administrativo não fujam inteiramente a uma integração social mediada por uma consciência que leva em conta a sociedade como um todo”[23]

A teoria do discurso, exposta na obra Direito e Democracia: entre facticidade e validade por HABERMAS, resgata a centralidade do direito e garante a dimensão empírica, simbólica e institucional, ao compreender que “a linguagem do direito pode funcionar como um transformador na circulação da comunicação entre sistema e mundo da vida, o que não é o caso da comunicação moral, limitada à esfera do mundo da vida”.[24]

Nesta perspectiva, o direito é o elo de ligação entre sistema e mundo da vida,[25] que impede que a rede de comunicações socialmente integradora rompa-se em favor do sistema administrativo ou econômico. Ao mesmo tempo, o direito é aberto para os sistemas funcionalmente diferenciados e para o mundo da vida, realizando uma função de charneira.


1.5 A co-originalidade de direito e moral e de direito e democracia

A reconstrução do direito, nas perspectivas sociológica e filosófica, sucintamente exposta na presente pesquisa com base em HABERMAS, serviu para demonstrar que somente é adequado realizar um estudo do direito que leve em consideração: a) o desencantamento sociológico do direito por obra das ciências sociais; 2) a importância da racionalidade do direito, proposta contemporaneamente pelo racionalismo normativista; 3) e, por conseguinte, concilie a dimensão simbólica (negligenciada pelo desencantamento sociológico) e a dimensão empírica e institucional (negligenciada pelo racionalismo).

Esta exposição do estado da arte, na qual se baseou a teoria da ação comunicativa em suas implicações para o direito, foi necessária para explicitar a opção teórica apresentada na presente pesquisa para que se possa justificar, de modo coerente, a compreensão de direito no Estado Democrático de Direito.

Na teoria do discurso, o direito serve como mediador entre sistema e mundo da vida de modo a garantir a integração social, como se viu. Para tanto, a teoria da ação comunicativa propõe uma nova leitura da relação entre direitos humanos, soberania popular, autonomia pública e autonomia privada. Esta releitura decorre de uma nova formulação entre direito, democracia e moral.[26]

Direito e democracia, direito e moral passam a ser vistas como co-originários. A co-originalidade entre direito e moral e entre direito e democracia opera em diferentes níveis de referência e com fundamento em diferentes normas de ação, nos seguintes termos:

1) “o princípio moral opera no nível de constituição interna de um determinado jogo de argumentação”[27];
2) o princípio da democracia refere-se ao nível da institucionalização externa e eficaz da participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da vontade, a qual se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito”[28];
3) “o princípio da moral se estende a todas as normas de ação justificáveis com o auxílio de argumentos morais”[29];
4) “o princípio da democracia é talhado na medida das normas do direito”.[30]


a) A co-originalidade do direito e da democracia

A implicação recíproca entre direito e democracia decorre do próprio conceito moderno de democracia, como explica HABERMAS:

“A compreensão moderna da democracia distingue-se da clássica por se relacionar com um tipo de direito dotado de três características principais, a saber: o direito moderno é positivo, cogente e estruturado individualisticamente. Ele resulta de normas produzidas por um legislador e sancionadas pelo Estado, tendo como alvo a garantia de liberdades subjetivas”[31]

Neste contexto, a legitimidade do direito decorre do procedimento de formação democrática das leis, que passam a ser elaboradas por parceiros livres e iguais de direito:

“o princípio da democracia destina-se a amarrar um procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, com efeito, que somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo jurídico de normatização discursiva. O princípio da democracia explica, noutros termos, o sentido performativo da prática de autodeterminação como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente. Por isso, o princípio da democracia não se encontra no mesmo nível que o princípio moral.”

A compreensão adequada da relação entre direito e democracia pressupõe a compreensão da relação entre direitos humanos e soberania popular, autonomia pública e autonomia privada, que será apresentada logo em seguida na compreensão do paradigma do Estado Democrático de Direito.[32] Antes, porém, é necessário explicar-se a relação entre direito e moral.


b) A co-originalidade do direito e da moral

HABERMAS abandona, aqui, a antiga relação de subordinação entre direito e moral,[33] herdeira do jusnaturalismo, que replicava o direito da moral,[34] na qual ainda se percebe resquícios da tradição platônica.[35]

Diferentemente das normas morais, as normas jurídicas, que pressupõe a sua institucionalização legítima, não sobrecarregam a comunicação dos indivíduos. Neste contexto, “O direito moderno tira dos indivíduos o fardos das normas morais e as transfere para as leis que garantem a compatibilidade das liberdades de ação. Estas obtêm sua legitimidade através de um processo legislativo que, por sua vez, se apóia no princípio da soberania popular”.[36]

O próprio HABERMAS resume como deve ser compreendido o direito em sua teoria discursiva:

“Por ‘direito’ eu entendo o moderno direito normatizado, que se apresente com a pretensão à fundamentação sistemática, à interpretação obrigatória e à imposição. O direito não represente apenas uma forma do saber cultural, como a moral, pois forma, simultaneamente, um componente importante do sistema de instituições sociais. O direito é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação. Ele tanto pode ser entendido como um texto de proposições e de interpretações normativas, ou como uma instituição, ou seja, como um complexo de reguladores de ação. E, dado que motivos e orientações axiológicas encontram-se interligados no direito interpretado como sistema de ação, as proposições do direito adquirem uma eficácia direta para a ação, o que não acontece com os juízos morais. Do outro lado, as instituições distingue-se de ordens institucionais naturais través de seu elevado grau de racionalidade; pois, nelas, se incorpora um sistema de saber mantido dogmaticamente, isto é, articulado, trazido para um nível científico e interligado com uma moral conduzida por princípios.”[37]

Para que se possa compreender adequadamente o que representa o direito para HABERMAS, é indispensável não só entender a sua relação com a democracia e a moral, assim como o estado da arte nas ciências sociais e na filosofia, mas, também, reconstruir os paradigmas modernos.


2 Os paradigmas Jurídicos

Até aqui, já se explicou a importância e a atualidade do tema, as influências históricas do direito brasileiro, e as teorias que pretendem explicar o direito em sua relação com as ciências sociais na contemporaneidade. Optou-se pela teoria da ação comunicativa por apresentar uma compreensão do direito que é capaz de superar as deficiências dos modelos normativistas e do desencantamento sociológico, propondo uma nova forma de relação entre direito, moral e democracia. Não foi respondido, contudo, ainda qual a imagem que a sociedade contemporânea faz do seu próprio direito.

Em um determinado momento histórico, são possíveis diversas interpretações para um mesmo fenômeno social, para uma mesma norma etc. O número de interpretações admissíveis para uma norma não pode ser previamente determinado, mas certamente é limitado, pois há interpretações que certamente não são admissíveis naquele momento histórico. Se existem interpretações que não são admissíveis é porque existe uma tradição capaz de diferenciar interpretações admissíveis de interpretações absurdas.

As diferentes interpretações admitidas pela sociedade refletem a existência de uma auto-compreensão da sociedade, de suas práticas sociais, inclusive de sua prática jurídica. O conjunto de interpretações quotidianas identifica-se com a imagem que a sociedade tem de si mesma e formam o paradigma a partir do qual ela pode ser compreendida.[38]

Esta mesma sociedade tem uma imagem do direito no sistema social que é resultado das interpretações jurídicas quotidianamente realizadas que acabam estruturando toda a compreensão do direito em dado momento histórico, formando o modelo social de uma época, pois como afirma HABERMAS:

“Entre professores de direito, expressões como ‘ideal social’ ou ‘modelo social,’ e até ‘visão social,’ tornaram-se geralmente aceitas como modos de referência das imagens da sociedade inscritas no sistema jurídico. Estas expressões referem-se àquelas imagens implícitas da própria sociedade de cada um que guia as práticas contemporâneas de elaboração e aplicação da lei. Estas imagens paradigmáticas providenciam o fundamento para a interpretação do sistema de direitos básicos. Em outras palavras, eles orientam o projeto de realização de uma associação livre e igual de cidadãos. Um paradigma é discernido primariamente em decisões judiciais supremas, e é usualmente equivalente à imagem implícita das cortes em relação à sociedade.”[39]

O paradigma jurídico reflete-se em todas as ciências sociais, embora de modo diverso, inclusive nos vários ramos do direito. No direito constitucional, a revelação do paradigma é ainda mais marcante. Não só pela existência dos casos difíceis, em que sua presença é evidente, mas, nos outros casos, em virtude da própria natureza mais aberta, polissêmica e indeterminada das normas constitucionais. No direito constitucional, a inter-relação entre direito, política e filosofia torna-se ainda mais difícil de ser ocultada, o que resulta no desvelamento da teoria social que fundamenta a compreensão do pesquisador. Pode-se afirmar com HABERMAS que:

“Hoje em dia, a doutrina e a prática do direito tomaram consciência de que existe uma teoria social que serve como pano de fundo. E o exercício da justiça não pode mais permanecer alheio ao seu modelo social. E, uma vez que a compreensão paradigmática do direito não pode mais ignorar o saber orientador que funciona de modo latente, tem que desafiá-lo para uma justificação autocrítica. Após esse lance, a própria doutrina não pode mais evadir-se da questão acerca do paradigma ‘correto’.”[40]

Este modelo social, que forma o paradigma jurídico, precisa ser consensualmente aceito, refletindo, pelo menos majoritariamente, um conjunto de interpretações reconhecidas. O paradigma jurídico, justamente por seu caráter de compreensão ampla de um dado momento histórico, deve abranger, inclusive, a elaboração das leis.

Quando interpretações antes absurdas, ou pelo menos não admitidas, passam a ser aceitas, inicialmente por grupos minoritários, até se tornarem consensuais ocorre a substituição dos paradigmas. DWORKIN resume como se dá à substituição de paradigmas:

“De repente, o que parecia incontestável é contestado, uma nova interpretação – ou mesmo uma interpretação radical – de uma parte importante da aplicação do direito é desenvolvida por alguém em seu gabinete de trabalho, vendo-se logo aceita por uma minoria ‘progressista’. Os paradigmas são rompidos, e surgem novos paradigmas. São esses os diversos elementos de nossa imagem da jurisdição, em corte transversal e ao longo do tempo”[41]

Nas ciências sociais, inclusive no direito, a substituição dos paradigmas não ocorre, como nas ciências empíricas, em que se baseou KUHN para formular sua teoria, com rupturas totais, pois o novo modelo, até para negar o anterior, baseia-se nele.

No direito, a substituição do paradigma liberal pelo paradigma social acompanhou este processo de lenta e gradual substituição, que resultou, até mesmo, na permanência do paradigma anterior, liberal, concomitantemente com o novo paradigma social.

Sem que os dois modelos ainda tenham sido totalmente superados, emerge um novo paradigma: o paradigma procedimental ou do Estado Democrático de Direito.

[1] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume 1, p. 13, grifei.
[2] Para a compreensão das principais respostas apresentadas para esta pergunta na atualidade, com especial ênfase para a proposta da teoria discursiva de HABERMAS, defendida na presente pesquisa, ver: ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew (Ed.) Habermas on Law and democracy: critical exchanges. Berkeley and Los Angeles: University of Califórnia Press, 1998. A tradução, em português, para as respostas de Habermas as críticas que sofreu nesta obra pode ser encontrada em: HABERMAS, Jürgen. Apêndice a Facticidade e validação. In: A inclusão do outro – estudos de teoria política. Tradução de George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Edições Loyola, 2002. Para uma melhor compreensão da teoria do discurso aplicada ao direito ver: HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1997. 2 Volumes.
[3] As teorias existentes não se resumem as sucintamente apresentadas por Arato e Rosenfeld, mas como este não é o objeto da presente dissertação, a maioria das teorias não foi nem mesmo mencionada. O positivismo, contudo, que nega a possibilidade de se atribuir qualquer conteúdo moral ao direito, será estudado, especialmente pela sua influência na prática judicial contemporânea, a despeito de sua menor influência teórica atual. A teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy, especialmente no que tange aos direitos fundamentais, também será tratada na presente pesquisa.
[4] ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew. Introduction: Habermas’s Discourse Theory of Law and Democracy. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Arato (Ed.). Habermas on Law and democracy: critical exchanges, p. 2. No original: “the Critical Legal Studies movemente, who tend to collapse law into politics and who deem legal norms sufficiently porous or contradictory to suit the aims of those who wield the greates political power”
[5] ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew. Introduction: Habermas’s Discourse Theory of Law and Democracy. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Arato (Ed.). Habermas on Law and democracy: critical exchanges, p. 2. No original: “At the other extreme are those who conceive law as independent and essentially severable from ethics and politics. The most prominent advocate of this position is Niklas Luhmann whose legal autopoiesis casts law as a self-referential system that remains normatively closed”. Para um bom resumo da teoria sociológica de Niklas Luhmann, especialmente em sua aplicação ao sistema jurídico, ver os capítulo IV e V, da obra: PINTO, Cristiano Paixão de Araújo. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 161-237.
[6] ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew. Introduction: Habermas’s Discourse Theory of Law and Democracy. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew (Ed.) Habermas on Law and democracy: critical exchanges, p. 3. No original: “Another way to deal with the problematic nexus between law, ethics, and politics is through adaptation on the kantian dichotomy between the right and the good in order to subsume the basic framework of the legal system – or, at least, the fundamental underpinnings of the constitutional order – to the right. The foremost and most influential systematic effort in that direction is obviously the political philosophy of John Rawls as elaborated in his Theory of Justice, and its closest counterpart in the realm of jurisprudence is found in the legal and constitutional theory of Ronald Dworkin. Both Rawls and Dworkin seek to set the normative unity and cohesion of the polity to make such major sacrifices along the way as to seriously undermine the force of their ultimate conclusions”. A teoria do direito e da Constituição de DWORKIN será melhor estudada no segundo capítulo desta pesquisa. Para uma melhor compreensão do tema ver: DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Para uma elaborada síntese e crítica da teoria do Direito e da Constituição de DWORKIN ver o item Dworkin e a teoria dos direitos do quinto capítulo de Faticidade e Validade: HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 1997, Volume 1, p. 261-276.
[7] ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew. Introduction: Habermas’s Discourse Theory of Law and Democracy. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew (Ed.) Habermas on Law and democracy: critical exchanges, p. 4-5. No original: “Habermas’s philosophical and jurisprudential project in Between Facts and Norms can be understood in terms of seeking to integrate what is most attractive about theories such as those os Rawls, Dworkin and Michelman without falling prey to their respective shortcomings. Because of his moornings in the Kantian tradition and his steadfast commitment to procedualism, Habermas’s project is best viewed as a quest to perfect Rawls contribution presented in Theory of Justice, in ways that allow for genuine dialogue and consideration of differences that divide social actor while narrowing the gab between democracy and rights” A compreensão discursiva do direito de Habermas, defendida na obra Direito e Democracia: entre facticiidade e validade, nos termos em que adiante será explicitado, constitui-se no marco teórico para a compreensão das restrições aos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. Para a compreensão do papel do marco teórico na pesquisa jurídica, inclusive nesta dissertação ver: GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa & DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática, p. 55-61.
[8] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, volume 1, p. 24.
[9] VILLEY, Michel. Leçons d’histoire de la philosophie du droit, p. 52. No original: « Quant à l’element positif, il consiste, une fois balayé l’ancien bagage scolastique, à rebatir un nouveau monde de connaisances sur la base des certitudes de la raison in

dividuelle » (grefei).
[10] O art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem dispunha: “Toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos nem a separação de poderes não possui constituição.”
[11] Sobre a importância histórica do art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem, especialmente da separação de poderes, mas também dos direitos humanos, PAULO BONAVIDES afirmou que: “Representou seu papel histórico. O constitucionalismo democrático tem por ele a mais justa e irresgatável dívida de gratidão. Merece, com efeito, a homenagem e o reconhecimento dos que, na doutrina política, consagram a luta aos ideais de liberdade e democracia. Ajudou a implantar na consciência ocidental o sentimento valorativo dos direitos e garantias individuais, de que foi, no combate aos déspotas do absolutismo, a arma mais eficaz” (BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 64)
[12] VILLEY, Michel. Leçons d’histoire de la philosophie du drot, p. 56
[13] “durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens;” (HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 109).
[14] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 66.
[15] Neste ponto adota-se o pensamento de HABERMAS, que afirma: “Marx ainda mantém o conceito clássico de totalidade da sociedade, que persistiu de Aristóteles até Hegel. Ele somente inverte as coisas: o que era pináculo e centro da totalidade social, na qual os indivíduos estão integrados como partes, passa para a base. No lugar da unidade manifesta de uma ordem estatal constituída juridicamente entre a unidade latente e sistematicamente produzida do processo econômico global do auto-aproveitamento do capital. E, este, enquanto totalidade negativa, continua sendo referido filosófica e historicamente à imagem clássica de uma totalidade produzida conscientemente.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 69.
[16] “A sociologia do direito, de Niklas Luhmann, marca o ponto final provisório neste eixo histórico-teórico. Essa sociologia me interessa aqui apenas por ser a variante mais conseqüente de uma teoria que atribui ao direito uma posição marginal – quando comparado às teorias clássicas da sociedade – e que neutraliza, através de uma descrição objetivista, o fenômeno da validade do direito, só acessível internamente.
O direito é entendido aqui somente sob o ponto de vista funcional de estabilização de expectativas de comportamento. Em sociedades funcionalmente diferenciadas, ele se especializa em generalizar consensualmente expectativas na dimensão temporal, social e objetiva, permitindo uma solução de conflitos contingentes, de acordo com o seguinte código binário: lícito e ilícito. Numa perspectiva ampla o sistema jurídico abrange todas as comunicações orientadas pelo direito. E, em sentido estrito, ele abrange os atos jurídicos que modificam as situações do direito e, e neste caso, ele se retroalimenta de procedimentos jurídicos institucionalizadaos, normas jurídicas e interpretações dogmáticas do direito.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 72-73.
[17] Segundo a explicação de Habermas para a teoria dos sistemas “o sistema jurídico, monadicamente aberto e fechado, é desengatado de todos os demais sistemas de ação. O sistema jurídico, agora autônomo, não consegue mais manter uma troca direta com seus mundos circundantes, nem influir neles de modo regulatório. Na base da construção de ambientes próprios, o contato com eventos situados além dos limites do sistema, produzido pela observação, oferece apenas ocasiões para o sistema jurídico fechado autopoieticamente influir sobre si mesmo. Ele não pode assumir funções de orientação na sociedade como um todo. Quando muito, o direito pode ‘regular’ a sociedade num sentido metafórico: na medida em que se modifica a si mesmo, ele se apresenta a outros sistemas como um mundo circundante modifico, em relação ao qual os outro podem ‘reagir’ do mesmo modo indireto.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 73.) Para a crítica de Luhmann à teoria de Habermas ver: LUHMANN, Niklas. Quond Omnes Tangit: Remarks on Jürgen Habermas’s Legal Theory. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew (Ed.) Habermas on Law and democracy: critical exchanges, p. 157-162.
[18] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 83.
[19] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 84.
[20] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 84.
[21] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 85.
[22] Aqui, como antes, segui as críticas de HABERMAS à sociologia de WEBER. Neste sentido, HABERMAS afirma que: “Para Weber, os tipos de direito servem em geral como fio condutor para a pesquisa dos tipos de dominação legítima; e aí o direito moderno entra a tal ponto num nexo funcional com a dominação burocrática da instituição estatal racional, que a função socialmente integradora, própria do direito, não é levada na devida conta. Segundo Weber, o Estado de direito obtém sua legitimação, em última instância, não da forma democrática da formação política da vontade, mas somente de premissas do exercício da dominação política conforme ao direito – a saber, da estrutura abstrata das regras e leis, da autonomia da jurisdição, bem como da vinculação jurídica e da construção ‘racional’ da administração (continuidade e escrituração dos negócios administrativos, organização dos serviços públicos segundo a competência, hierarquia dos cargos, instrução especializada dos funcionários, separação entre pessoa e cargo, separação entre meios administrativos e pessoal administrativo, etc.). Temos em Weber um modelo tipicamente alemão de Estado de direito, no qual se encaixa bem a dominação elitista dos partidos políticos.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 102.
[23] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 65.
[24] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 112.
[25] Sobre o mundo da vida, HABERMAS afirma: “O conceito ‘mundo da vida’, da teoria da comunicação, também rompe com o modelo de uma totalidade que se compõe de partes. O mundo da vida configura-se numa rede ramificada de ações comunicativas que se difundem em espaços sociais e épocas históricas; e as ações comunicativas, não somente se alimentam das fontes das tradições culturais e das ordens legítimas, como também dependem das identidades de indivíduos socalizados. Por isso, o muno da vida não pode ser tido como uma organização superdimensionada, à qual os membros se filiam, nem como uma associação ou liga, na qual os indivíduos se inscrevem, nem como uma coletividade que se compõe de membros. Os indivíduos socalizados não conseguiram afirmar-se na qualidade de sujeitos, se não encontrassem apoio nas condições de reconhecimento recíproco, articuladas nas tradições culturais e establizadas em ordens legítimas e vice-versa. A prática cotidiana, na qual o mundo da vida certamente está centrada, resulta, com a mesma originalidade, do jogo entre reprodução cultural, integração social e socialização. A cultura, a sociedade e a pessoa presspõem-se reciprocamente. O conceito jurídico da ordem do direito como uma associação de membros do direito, que é mantido até hoje pelo discurso filosófico é por demais concreto para a teoria da sociedade.” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 58-59).
[26] Direito e moral partem de um princípio discursivo normativo (fundado no sentido da imparcialidade dos juízos práticos) e neutro (em relação ao direito e à moral) expresso nos seguintes termos: “D: são válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais” (HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 142).)
[27] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 146, grifei.
[28] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 146, grifei.
[29] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 146, grifei.
[30] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 146, grifei.
[31] HABERMAS, Jürgen. A Era das transições, p. 153.
[32] Para uma compreensão adequada da tensão entre facticidade e validade que se revela na relação entre direito e democracia, Luis Moreira sintetiza a teoria de Habmeras: “Poque Habermas deseja fazer uma distinção entre o Direito como disciplina autônoma e a política deliberativa, ele formulará a tensão entre facticidade e validade em duas dimensões. Como normatividade a posteriori, como núcleo procedimento da democracia, essa tensão será elaborada intrinsecamente 1) no cerne do próprio Direito e, extrinsicamente 2) nos processo políticos através da normatividade do Estado Democrático de Direito. 1) Como instituição, o Direito estabiliza a tensão entre facticidade e validade. Internamente, ou seja, no âmago do próprio Direito, esta tensão situa-se, de um lado, na facticidade dos procedimentos jurídicos e, de outro, na pergunta pela validade desses procedimentos. (...) 2) A outra dimensão da tensão entre facticidade e validade é extrínseca, englobando a facticidade dos processos políticos cujas formulações históricas concretas buscam dar respostas palpáveis a problemas específicos e a pretensão à aceitabilidade racional inerente à normatividade do Estado Democrático de Direito.” ( MOREIRA, Luiz. Direito e Normatividade. In: MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz (org.). Direito e Legitimidade, p. 152-153 e 156.”
[33] A partir de Direito e Democracia: entre facticidade e validade Habermas abandona a antiga diferença entre direito e moral sustentada nas Tannure Lactures para defender a co-originalidade das normas morais e das normas jurídicas. Para a compreensão da diferença entre direito e moral anteriormente expostas ver: HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 2, p. 193-247.
[34] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 139: “Pois as dificuldades analisadas não dependem apenas das colocações falsas da filosofia da consciência, como também do fato de o direito moderno, ao manter a distinção entre direito natural e positivo, assumir uma hipoteca. Ele apega-se a uma reduplicação do conceito de direito que não é plausível, do ponto de vista sociológico, e precária, do ponto de vista normativo.”
[35] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 140-141: “Subjaz a essa construção a idéia platônica segundo a qual a ordem jurídica copia e, ao mesmo tempo, concretiza no mundo fenomenal a ordem inteligível de um ‘reino dos fins’. Mesmo que não se leve em conta a metafísica kantiana, é evidente que na reduplicação do direito em direito natural e positivo perdura uma herança platônica, a saber, a intuição segundo a qual a comunidade ideal dos sujeitos moralmente imputáveis –a comunidade de comunicação ilimitada de Josiah Roey até Apel – entra no tempo histórico e no espaço social, passando pelo medium do direito, adquirindo uma figura concreta, localizada no espaço e no tempo, enquanto comunidade de direito. Esta intuição não é de todo falsa, pois uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contrariar princípios morais. Através dos componentes de legitimidade da validade jurídica, o direito adquire uma relação com a moral. Entretanto, essa relação não deve levar-nos a subordinar o direito à moral, no sentido de hierarquia de normas. A idéia de que existe uma hierarquia de leis faz parte do mundo pré-moderno do direito. A moral autônoma e o direito positivo, que depende de fundamentação, encontram-se numa relação de complementação recíproca.”
[36] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 114-115.
[37] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume 1, p. 65.
[38] Neste sentido, pode-se ver, também, a noção de paradigma jurídico de MENELIK: “De início, portanto, cabe-nos introduzir a noção de paradigma e o seu emprego na Teoria Geral do Direito e no Direito Constitucional. O conceito de paradigma, como já tivemos ocasião de afirmar, vem da filosofia da ciência de Thomas Kuhn. Tal noção apresenta um duplo aspecto. Por um lado, possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas, através da tematização e explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e de visões de mundo, consubstanciados no pano de fundo naturalizado de silencia assentado na gramática das práticas sociais, que a um só tempo torna possível a linguagem, a comunicação, e limita ou condiciona o nosso agir e a nossa própria percepção de nós mesmos e do mundo. Por outro, também padece de óbvias simplificações, que só são válidas na medida em que permitem que se apresente essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determinados.” (CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (Coord.). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional no Estado Democrático de Direito, p. 29.)
[39] HABERMAS, Jürgen. Paradims of Law. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Arato (Ed.). Habermas on Law and democracy: critical exchanges, p. 13, no original: “Among legal scholars expressions such as ‘social ideal’ or ‘social model,’ and even ‘social vision,’ have become generally accepted ways of referring to the images of society inscribed in a legal system. Such expressions refer to those implicit images of one’s own society that guide the contemporary practices of making and applying law. These images or paradims provide the background for an interpretation of the system of basic rights. In other words, they orient the project of realizing an association of free and equal citizens. A paradigm is discerned primarily in paramount judicial decisions, and it is usually equated with the court’s implicit image of society.”
[40] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, Volume II, p. 129.
[41] DWORKIN, Ronald. O império do Direito, p. 112.