quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ao vencedor as batatas


"Quincas Borba", de Machado de Assis, não é a história de Quincas Borba, o cão ou o rico 'filósofo' homônimo: é a história de Rubião, o fiel amigo de Quincas Borba.

Com a morte de Quincas, o destino parece sorrir para o pouco ambicioso Rubião que se torna subitamente herdeiro de fabulosa herança. O deslumbre dos novos ricos provoca a mudança de Rubião para a capital onde passa a exibir-se na Corte provinciana do final do Brasil Império.

Crédulo, inocente, ingênuo, caridoso e ao mesmo tempo frívolo, vazio e tolo Rubião rapidamente se perde na Corte, fascinado com uma vida e um ambiente que o encanta mas que não é capaz de compreender .

Rubião é história de um homem fraco que não domina suas amizades, suas paixões, nem seu dinheiro e é punido pelo 'destino' com a miséria e a solidão, compensadas por um delírio megalomaníaco do herói que sempre viveu em outro mundo porque jamais foi capaz de compreender, admirar e respeitar o mundo em que vivia.

O herói não domina nem sua própria vida, mas o que é trágico no livro é que mesmo os que parecem dominar a própria vida, por vezes até demais, não parecem satisfazre-se quando conquistam o que querem e mais dinheiro e mais poder acabam por tornar, quase sempre, suas vidas menos felizes, ainda que cercada de luxo e ostentação.

O amigo traidor de Rubião, por exemplo, enriquece as suas custas mas tem uma mulher infeliz e vazia e nada em sua vida tem real valor, embora isso pareca ter pouco importância para alguém que não tem qualquer caráter. De todo modo, é revelador que o ato de exibir a própria mulher bonita e seus decotes para terceiros seja o seu êxtase. Ter para ostentar parece ser o seu lema de vida.

O livro, porém, costuma ser lembrado pelo lema da filosofia humanistas de Quincas Borba "ao vencedor as batatas."

Na história de Machado, Rubião recebeu as batatas de presente do destino, empanturrou-se e terminou sem batata nenhuma. O curioso é que a vida de Rubião antes de ganhar as batatas parecia ser mais humilde e feliz do que após a vitória, em que tudo não passou de sucessivas ilusões que culminaram no delírio final.
Como conta o próprio Machado, se ao vencedor restam as batatas, aos vencidos resta apenas o ódio e a compaixão.

O problema é que uma vida com alguns amores e poucos ódios verdadeiros é a única vida que vale a pena ser vivida, ainda que com muita, pouca ou quase nenhuma batata.

Machado soube ler o Brasil império e prever o Brasil atual onde se continua pagando quase qualquer preço para poder ter a honra de repetir: ao vencedor as batatas
.
Talvez seja melhor ficar com fome, como Van Gogh, que em seus loucos delírios, pintou "os comedores de batata" que ilustram este texto. Quem já viu este quadro ao vivo dificilmente consegue esquecê-lo. Van Gogh alimentou-se das batatas que enchem o espírito, mas estas não tem preço: aos fortes à paixão da vida e da arte ensinaram Van Gogh e Machado de Assis. Sejamos bons alunos.

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