Mas o que faz um autor dedicar vários anos da sua vida para escrever um livro tão extenso?
"Em busca do tempo perdido", não fala de mim, nem de você, mas fala, o tempo todo, para cada um de nós e revela, nos personagens (como em Swann ou Odette, por exemplo), tantas idéias e tantos mundos em um mundo só que ficamos completamente atormentados, arrebatados pela delicadeza do autor e pelo universo que cria.
É neste universo, ao mesmo tempo tão sútil e tão denso, que no quotidiano se revela a gradiosidade oculta da vida, até mesmo na existência mais frívola e nos instantes mais irrelevantes e casuais surge o significado mais pleno, como no clássico episódio da madeleine do livro, o bolhinho francês que ao ser saboreado na vida adulta pelo personagem permite que se revele, intacto, o gosto de um passado perdido que não volta mais, mas ainda existe, pois só assim é possível que seja revivida a expriência em toda sua inteireza, ainda que por um átimo e sem que sejamos capazes de escolhar a hora. Na obra, como navida, nada volta e, ao mesmo tempo, tudo está sempre voltando.
Todo tempo na vida é, de algum modo, sempre um tempo ganho e um tempo perdido e a teia tão complexa de relações que permeiam todo instante é quem dá significado à vida: queiramos, gostemos, tenhamos consciência ou não...
Toda vida, por mais frívola, é também vida, com tantos significados possíveis e imagináveis que até os mais vazios personagens do fim da era vitoriana acabam revelando uma humanidade tocante. Proust denuncia a vida materialista da burguesia do início do século XX, mas acaba demonstrando que até a vida vivida da maneira mais mesquinha é capaz de emocionar e tocar.
No atual mundo, ainda mais dispersivo e materialista, recorrer à Proust é relembrar os sentimentos e percepções que tentamos calar mas que existem e falam tanto sobre nós quanto nossas vozes eloqüentes e nossas falsas aparências mal disfarçadas.
Ler Proust é reler, através do seu mundo, o nosso mundo, ampliando os nossos horizontes, a nossa percepção e a nossa sensibilidade. Ao final de qualquer dos volumes, a impressão que se tem é que lê-los pode até ser difícil e doloroso, mas nunca um tempo perdido.
"Em busca do tempo perdido" é um livro para se ler, reler, e ler de novo, com a certeza de que nossa vida termina sendo iluminada e, em cada vez, se pode fazer uma nova resenha, um novo comentário e se desenvolveram novos pensamentos, novas e multiplas faces para a vida e para o livro.
Para que perder tempo, então? Vamos "Em busca do tempo perdido."
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