quarta-feira, 23 de julho de 2008

Onde os fracos não tem vez


O último grande vencedor do Oscar (2008) foi "Onde os fracos não tem vez", o nome que foi dado no Brasil para o filme "No country for old man", dos irmão COEN. Depois do filme há uma certeza: Chigurh é um dos personagens mais assustadores que o cinema já criou.
O personagem, Anton Chigurh, representado pelo ator Javier Bardem, não choca pela sofisticação brutal do Canibal, mas pela sua trivialidade e aparente candura. Até o cabelo de Chigurh, 'lambido' como o de um nerd colegial, o torna ainda mais assustador e o próprio título, em português, do filme é muito significativo: no filme não há lugar para os fracos.
Mas Chigurh tem um 'defeito' que o torna excepcional: ele não tem fraquezas. É verdade: Chigur não tem medo, nem sonhos e, o mais importante, ele não tem motivos. Ela mata porque quer matar; ele mata porque pode matar. Daí porque ele deixa a escolha ao acaso e joga cara ou coroa para decidir se vai matar a vítima. Para ele, simplesmente, não faz diferença, pois para Chigur ninguém vale nada mesmo, nem a sua própria vida parecer ter qualquer valor ou sentido.
E esta é a grande força de Chigurh. Ele não perde tempo procurando significados para a vida, ele não pensa o porquê do seu agir: ele age, sem motivo, sem remorso, sem culpa. Chigurh não se arrepende, nem se deprime: ele age. Quase que por instinto
Daí porque o seu código de ética, aparentemente tão rígido, esconde um segredo: Chigurh não se submete a princípios ou regras, o que o torna tão forte, tão determinado, tão decidido.
Em um mundo em que mesmo os aparentemente bem intencionadas (perdidos nos labirintos da sua própria vida) estão mais preocupados em encenar uma falsa bondade para se dar bem, se dá melhor quem não precisa fingir e pode ser tão cruel quanto necessário, sem disfarces ou crises de consciência.
No país do filme, não há lugar para os fracos, nem para os velhos: a pusilanimidade não revela fortaleza moral, mas apenas uma fraqueza de quem não tem coragem de assumir sua maldade e até mesmo as crianças parecem assimilar esta 'dura' lição que o mundo ensina... Mas esta lição, embora reveladora da 'história dos vencedores', nos evoca outro problema fundamental: admitir as próprias fraquezas é uma demonstração de fraqueza?
Em mundo insensível que não é capaz de aceitar, nem de compreender e muito menos de compartilhar a dor do outro não há lugar para os fracos e só resta a cada um o cinismo de fingir uma fortaleza que não tem. Daí porque um psicopata é o único, realmente, forte. Mas será mesmo?
Suspeito que não: admitir a própria fraqueza é a única maneira de se reconhecer. Revelá-las é, paradoxalmente, uma manifestação de fortaleza, de caráter: a consciência das próprias fraquezas é condição para que tenhamos a possibilidade de assumirmos uma humanidade mais humana.
No final, temos muito mais opções do que as escolhas entre o cinismo e a depressão, entre a fragilidade do 'coitidadinho' e a insensibilidade da indeferença. E uma pessoa que não admitir as próprias fraquezas pode até não sofrer uma depressão, perdida no emaranhado de motivos para a existência, mas esta vida não vale ser vivida, pois a vida onde não há lugar para os fracos é uma vida sem sentido, para os fracos e para os fortes.
Sejamos fortes: admitamos, algumas, das próprias fraquezas, o que, de modo algum, significa a justificação e a glorificação do próprio fracasso.
No final, esta é a única escolha ou, então, apenas vai nos restar re-contar, de várias maneiras, a mesma trágica história do filme ou da novela que o inspirou, "No country for old man", de Cormac McCarthy.
Neste mundo, eu preferiria não viver.

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