terça-feira, 29 de julho de 2008

Perfume: um filme inodoro



Se você não tiver nada para fazer em um domingo à tarde e vier a ligar a TV a cabo, não perca seu tempo: não assista "Perfume" de Tom Tyker!
Os produtores gastaram uma fortuna para fazer, Das Parfum - Die Geschichte eines Mörders, o filme alemão mais caro de todos os tempos e o resultado é um tremendo desperdício de tempo e de dinheiro.
Mas como até um filme ruim é capaz de nos fazer pensar fiquei com duas dúvidas: 1) os produtores acreditam que fizeram um bom filme? 2) Por quê as pessoas assistem a um filme ruim?
Os produtores devem acreditar que fizeram um bom filme já que investiram altas somas; difícil é entender o significado de "bom" para eles. Na estética contemporânea, o belo pode ser até o feio inovador: les demoiselles davingnon de Picasso chocou o mundo por sua 'feiura' quando surgiu, mas aí é outra história.
Como quem gasta muito para fazer um filme está geralmente mais preocupado com o retorno financeiro que o filme vai dar do que com a qualidade estética da obra, a resposta é mais simples: bom é o que faz sucesso. Se o filme for bem de bilheteria, o filme é bom; como perfume não foi um fracasso de vendas, Eureka: um filme vendável não pode ser considerado exatamente ruim.
Mas para que o filme tenha sido muito assistido alguém tem que ter gostado ou, pelo menos, se interessado pelo filme a ponto de ir ao cinema e pagar a entrada, nem que tenha sido para largar o filme no meio... Eu, estando em casa, não exerci o meu poder de mudar de canal: até hoje me arrependo.
No mesmo domingo, conversei a noite com parentes que tinham assistindo ao mesmo filme durante a tarde e eles disseram a mesma coisa: "não gostei do filme"!
E aí fiquei ainda mais intrigado: já que não estou louco e outras pessoas tiveram a mesma opinião sobre o filme o que é que os outros (os que pagaram o ingresso e fizeram a propaganda 'boca a boca') viram...
Até agora estou tentando descobrir, mas só consegui lembrar de Platão: os muito bons são muito poucos a maioria é mediocre.
Não sei se a maioria é mediocre, mas que tem muita coisa ruim que faz sucesso isso tem; Perfume é só um exemplo. E aí fiquei com minha segunda questão, matutando, por que temos uma inclinação tão grande para gostar do que é ruim mesmo sabendo que é tão ruim.
Não tenho uma resposta 'exata', mas, ainda assim, tenho uma resposta: o ruim faz sucesso por que não incomoda o observador por ser trivial demais para fazer pensar.
Um filme é mediocre em razão da sua trivialidade, da sua incapacidade de surpreender o espectador: o desenrolar da história não nos abala por ser esperado que aconteça automaticamente ou porque não emociona.
Mas nada na vida pode ser considerado automático: até mesmo o mais trivial acontecimento esconde possibilidades profundas pois o homem possui um toque de midas que transforma nele mesmo tudo que toca, vê ou ouve.
Um intérprete medíocre fará uma leitura medíocre de um obra de arte; um gênio desvenderá significados profundos até mesmo em uma obra medíocre.
Mas a obra deve ser avaliada por seu próprio valor: se Shakespeare transforma uma historinha de amor antiga e trivial em uma obra atemporal, como em Romeu e Julieta, é a peça que tem um grande valor não a historinha: foi shakespeare quem tirou 'leite de pedra' e a transformou em diamante.
Mas se temos tantos diamantes (artísticos, literários e cinematográficos) para apreciar por que perder tempo com pedras sem valor...
Talvez porque não se passe impune por uma grande obra de arte. Na vida, tudo que vemos é uma projeção da nossa própria imagem constituída no íntimo de nosso próprio pensamento; na arte, o que o artista produz é uma obra capaz de transcender o cotidiano e revelar significados profundos, permitindo que se veja relações ocultas praticamente ilimitadas e pensamentos indesejáveis. Toda obra de arte é perigosa: nela podemos ver refletida nossa imagem que menos gostamos; um regime autoritário 'sabe o que está fazendo' quando limita a liberdade artística: na arte podem refletir-se as piores mazelas do sistema social...
Por isto, arte e mediocridade são termos que se opõem. Gostamos tanto do que ruim porque o que é ruim não revela imagens desagradáveis (algumas intoleráveis) que preferiríramos não enxergar e que a arte, para ser arte, tem o papel de revelar. Arte engajada dificilmente é Arte.
No filme, uma idéia inteligente (o personagem principal, Grenouille, capaz de distinguir todos os odores do mundo sem ser capaz de sentir o próprio cheiro resolve matar diversas mulheres para extrair a sua essência e produzir um perfume tão sublime que é capaz de produzir a fragrância do amor a qual todos se curvam) é contada com tanta superficialidade que as nuances mais profundas que poderia revelar ficam por conta da imaginação do intérprete, o que faz de Perfume um filme insípido.
O problema é que o enredo, aparentemente tão absurdo, não chega sequer a chocar. Daí talvez o sucesso do filme: uma idéia inteligente mal conduzida transformou-se em um filme sem gosto que ajuda o domingo a passar sem que precisemos nos preocupar em entender mais nada.
Isso não é arte, mas apenas um passatempo, mas para passar o tempo (que julgamos tão precioso e queremos tornar mais longevo) melhor seria dedicar algo que realmente alegrasse o domingo: um passeio na praia ou no parque não é uma má idéia. Mas se você está entediado demais até para isso, vá dormir que é melhor do que assistir "Perfume". Quem sabe você não tem um bom sonho?
Na arte e na vida, o que conta, mais do que a história, é como ela é contada, o livro em que se baseio perfume talvez seja bom.
Para se ver como se pode fazer arte de qualquer coisa deixo aqui uma imagem do que um grande artista, Vincent van Gogh, foi capaz de fazer com um simples jarro de flores. Depois dele, os girassóis nunca mais foram os mesmo.

Nenhum comentário: